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Quando a vida vira jogo: fases, pressões e ansiedade
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Quando a vida vira jogo: fases, pressões e ansiedade

Quem sabe possamos encontrar um equilíbrio, aceitar que sim, é possível errar, tropeçar, desacelerar e tentar de novo, do nosso jeito
Tipo Crônica
O controle da ansiedade é fundamental para bons resultados em exames (Imagem: Anton Vierietin | Shutterstock) (Foto: EdiCase)
Foto: EdiCase O controle da ansiedade é fundamental para bons resultados em exames (Imagem: Anton Vierietin | Shutterstock)


Lembro dos dias em que, na minha infância, o tempo era marcado pelas refeições. Hora de tomar café, hora de merendar (a palavra era "merenda" mesmo, e não "lanche"), hora de almoçar, hora de merendar de novo no meio da tarde, hora de jantar e, finalmente, hora de dormir. No colégio, o recreio era o momento mais aguardado, a esperança de que as aulas logo terminariam. No intervalo, o tempo parecia correr solto, sem precisar olhar para o relógio. O tempo era uma extensão da imaginação, e cada segundo parecia elástico, esticável ao infinito. Mas algo mudou.

Hoje, não são apenas os adultos que vivem nessa pressa desenfreada, mas também as crianças. Elas estão imersas em um mundo de aplicativos, séries curtas, desenhos rápidos e músicas que duram poucos segundos, como se tudo precisasse ser consumido depressa. Notificações surgem a todo instante, jogos exigem atenção constante, e as redes sociais nos cercam com a expectativa de satisfação imediata, como se o tempo estivesse acabando e fosse preciso acumular o máximo de prazer ou aprovação possível.

Nesse ritmo acelerado, parece que não temos mais tempo para digerir nem nossos pensamentos, nem nossos sentimentos. Vivemos como numa montanha-russa, escondendo o que realmente sentimos e mostrando apenas o que achamos que os outros querem ver. Chegamos ao ponto de nem admitirmos que sentimos alguma coisa, porque, diante de qualquer situação, a resposta precisa ser rápida, automática, sem espaço para reflexão ou para o coração.

As crianças, que mal começaram a entender o mundo, já enfrentam pressões que, na minha época, nem passavam pela nossa cabeça. A ansiedade deixou de ser uma visita ocasional e virou uma companheira constante, quase uma sombra que as segue por todos os cantos. Elas vivem o amanhã antes mesmo de terem experimentado o hoje. Será que meu post teve curtidas? Por que eu não sou tão popular quanto fulano? Estou fazendo a coisa certa?

A vida, para elas, não é mais uma brincadeira, mas um jogo cheio de fases e obstáculos que começa cedo demais e parece não ter fim. É preciso passar por todas as fases o mais rápido possível, senão você fica para trás, como se nossa existência dependesse de avançar a qualquer custo. E nessa corrida, tentamos desviar de todos os obstáculos, mas quando, inevitavelmente, somos atingidos por um fracasso ou frustração, parece que o mundo desaba e o jogo perde a graça.

Entre os adolescentes, essa pressa pelo prazer, sem o tempo necessário para construir vínculos ou envolvimento emocional, pode levar à promiscuidade e até abusos. Não são raras as buscas por atalhos e soluções rápidas, como drogas e anabolizantes. Jovens profissionais, também pressionados pela "necessidade" de sucesso imediato, podem recorrer a práticas antiéticas, ou até criminosas, sempre em busca do próximo nível.

Antigamente, as comparações funcionavam como uma espécie de bússola. A gente olhava para alguém com admiração, como um ponto de referência, algo que nos inspirava a seguir um caminho. As comparações ajudavam a traçar metas e sonhos.

Mas, com o tempo, essas comparações viraram nossos algozes, ajudando a alimentar a ansiedade. Em vez de serem bússolas, viraram relógios acelerados, nos cobrando para sermos mais rápidos, mais produtivos, mais bonitos, mais bem-sucedidos. Hoje, com as redes sociais, a comparação é constante e implacável. Em vez de inspiração, nos dá a sensação de que estamos sempre atrasados, insuficientes, fora do jogo. O que antes nos guiava, agora nos aprisiona.

E aí, compramos nossos "power-ups": cursos, títulos, novos gadgets. A ideia é estar sempre mais preparado, mais equipado para enfrentar cada nova etapa. O sucesso precisa existir sempre. Não há espaço para falhas. Não se admite errar. Não há tempo para tentar de novo. A única opção é o êxito, e o mundo — junto com as pessoas — tem que atender aos nossos desejos de forma imediata e perfeita.
O problema é que, se não prestarmos atenção, acabamos entrando nesse barco também. Um barco sem motor, sem velas, sem remos, à deriva numa tempestade invisível que nos encharca de uma angústia sem nome, uma sensação que nos gela por dentro e afoga a alma.

Quem sabe possamos encontrar um equilíbrio, aceitar que sim, é possível errar, tropeçar, desacelerar e tentar de novo, do nosso jeito. Quem sabe possamos permitir que o ritmo da vida dite menos as regras. Quem sabe as crianças dentro de nós possam voltar a descobrir a magia de uma tarde despreocupada, onde o maior dilema seja escolher entre esconde-esconde ou pular corda.

Foto do Danilo Fontenelle

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