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O doce sabor das promessas
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

O doce sabor das promessas

Hoje, em época de eleição, o que enfeita as calçadas e canteiros das avenidas não são mais os pirulitos, mas outro tipo de doce promessa: bandeiras
Tipo Crônica
Da noite para o dia, brotaram pequenas estruturas que servem para fixar melancólicas e silenciosas bandeiras de candidatos (Foto: Danilo Fontenelle)
Foto: Danilo Fontenelle Da noite para o dia, brotaram pequenas estruturas que servem para fixar melancólicas e silenciosas bandeiras de candidatos

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Quando eu era menino, as portas das escolas eram povoadas pelos doceiros. A criançada, mal soava o sinal da última aula, já corria para as calçadas, olhos brilhando e estômagos ansiosos. Ali, sempre havia um tabuleiro de creme holandês — tão cremoso quanto suspeito —, carrinhos de picolés de procedência duvidosa, que, se investigada a fundo, talvez revelasse mais do que gostaríamos de saber, os famosos quebra-queixos e, claro, os pirulitos, espetados em tábuas furadas como troféus de açúcar que desafiavam nossas cáries. De vez em quando, surgia um carrinho que fazia algodão-doce na hora. Era uma época em que o que nos alimentava era mais a emoção do que a garantia de higiene.

O tempo passou, e, como tudo na vida, as ruas ao redor das escolas mudaram. Aqueles vendedores de delícias, com seus tabuleiros equilibrados nas bicicletas e carrinhos que rangiam, desapareceram aos poucos, levados pela maré da modernidade — ou, quem sabe, pelas normas da vigilância sanitária, que decidiu que nostalgia não é desculpa para intoxicação alimentar, vermes ou diabetes precoce.

Hoje, em época de eleição, o que enfeita as calçadas e canteiros das avenidas não são mais os pirulitos, mas outro tipo de doce promessa: bandeiras. Acho que todo mundo já percebeu que, da noite para o dia, brotaram pequenas estruturas que servem para fixar melancólicas e silenciosas bandeiras de candidatos. Elas são fincadas ali, na esperança de que alguém, ao passar, seja cativado por uma cor, uma frase de efeito, um nome repetido tantas vezes que acaba se misturando à paisagem.

Há também bandeiras maiores, agitadas furiosamente nos cruzamentos das avenidas, empunhadas por militantes, cargos comissionados ou contratados. Assim como os estandartes nos campos de batalha da Idade Média, tentam infundir um senso de pertença e dever, representando aquilo que se está disposto a defender ou conquistar. Mas hoje me refiro às pequenas bandeiras, dispostas lado a lado nos canteiros, quase como se afirmassem silenciosamente que aquele espaço público foi "conquistado" sem contestação.

Não sei de onde os marqueteiros políticos tiraram a ideia de que bandeiras fincadas em tijolos e cabeçotes de cimento, como pirulitos em um tabuleiro, têm algum poder de convencimento. É como se o espaço público fosse ocupado sem a necessidade de diálogo, como se a simples presença de uma bandeira bastasse para firmar território.

Quem sabe ainda existam pessoas que acreditem em bandeiras, slogans ou rostos sorridentes nos santinhos espalhados pelas esquinas. Talvez seja a mesma ingenuidade que nos impedia de nos preocupar com as mãos dos doceiros, que pegavam tanto o dinheiro quanto os doces. A diferença é que, enquanto as crianças ao menos recebiam seus pirulitos, nós, muitas vezes, ficamos apenas com o papel. Porque, depois das eleições, muitas dessas bandeiras silenciosas desaparecem com a mesma velocidade com que surgiram, deixando não só os canteiros vazios, mas também as promessas desertas de uma vida mais doce.

Ontem, eram os picolés, doces e pirulitos que nos deixavam desconfiados, mas ainda assim nos faziam sorrir por alguns minutos de açúcar barato. Hoje, são as bandeiras e promessas políticas que nos cercam, provocando o mesmo misto de desconfiança e esperança que sentíamos ao comprar aquelas delícias ambulantes. A diferença é que, com os doces, bastava lavar as mãos e seguir em frente. Com as bandeiras, a mancha que elas deixam pode demorar um pouco mais para desaparecer.

Foto do Danilo Fontenelle

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