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Em Defesa da 5ª Série
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Em Defesa da 5ª Série

Se alguém te acusar de ainda ter a cabeça de 5ª série, sorria e receba isso como um elogio. E se for cearense, nem esquente, nossa molecagem vai bem além
Tipo Crônica
Início do ano letivo de 2022 nas escolas municipais de Fortaleza. Alunos em sala de aula na Escola Municipal Geisa Firmo Gonçalves, no bairro Planalto Ayrton Senna. (Foto: Fabio Lima/ O POVO)
Foto: Fabio Lima/ O POVO Início do ano letivo de 2022 nas escolas municipais de Fortaleza. Alunos em sala de aula na Escola Municipal Geisa Firmo Gonçalves, no bairro Planalto Ayrton Senna.

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De uns tempos para cá, a 5ª série vem sendo atacada e subestimada. Qualquer gracinha, piadinha simples ou trocadilho é logo taxado com um "Ih, lá vem a 5ª série de novo". É como se todo o poder subversivo que ela carrega fosse malvisto e desprezado. Como se, ao cruzar a linha da adolescência, um decreto invisível nos obrigasse a abandonar as pequenas tolices, a curiosidade sem filtro e o riso fácil.

Parece que agora temos que encarar a vida de maneira séria e compenetrada, como se isso garantisse a felicidade e a paz social. Mas, quando foi que começamos a acreditar que ser adulto é sinônimo de uma seriedade monástica, onde o riso é permitido apenas de forma "discreta e apenas diante de uma situação deveras pitoresca"?

A mentalidade de 5ª série, com suas piadas sem sentido e sua irreverência quase pueril, nos lembra de que não devemos nos levar tão a sério assim. Claro que a educação permanece, assim como as boas maneiras no trato com todos, mas educação é uma coisa e rabugice é outra. Uma risada bem dada, até mesmo uma daquelas que envolvem um trocadilho infame ou uma bobeira sem tamanho, é capaz de curar as feridas da alma mais rapidamente do que qualquer frase motivacional. E não me venham com essa de que "é preciso maturidade para lidar com a vida". Talvez seja exatamente o contrário: é preciso uma boa dose de infantilidade para não sucumbir ao peso do mundo.

A cabeça de 5ª série também é movida por perguntas que a maioria dos adultos simplesmente não se permite fazer. Ela traz consigo uma vontade inata de entender o mundo, de questionar o óbvio, de não aceitar respostas prontas. É essa curiosidade despretensiosa que alimenta a criatividade, que nos faz ver as coisas de ângulos inusitados, que permite que o cotidiano seja constantemente redescoberto com um brilho nos olhos.

Além disso, a cabeça de 5ª série é uma fortaleza contra o cinismo. Os adultos adoram dizer que "a vida não é um mar de rosas" e, de fato, muitas vezes não é. Mas quem disse que é preciso afundar nas amarguras do mundo? A mentalidade de 5ª série nos dá o poder de ver beleza nas pequenas coisas, de transformar um dia comum em uma aventura, de encontrar diversão onde os outros só veem tédio. Aquele jogo bobo de palavras ou a gargalhada descontrolada durante uma reunião séria são pequenos atos de rebeldia contra a opressão do pessimismo.

E há algo mais que poucos reconhecem: a cabeça de 5ª série é profundamente democrática. Não se importa com status, títulos ou etiquetas. Ela se relaciona com todos de igual para igual, porque, na 5ª série, somos todos apenas crianças tentando entender o mundo, e não CEOs ou doutores tentando dominá-lo. Esse espírito de igualdade e irreverência, de ver o outro como alguém com quem se pode compartilhar uma piada ou uma curiosidade sem medo de ser julgado, é algo que deveríamos cultivar e não esconder embaixo da mesa do escritório nem por trás dos óculos ou paletós.

Meu pai, no final dos anos 80, foi superintendente de uma autarquia estadual, já extinta. Entre outras coisas, cabia a ele dar as boas-vindas aos novos contratados. Certa vez, chegou um químico recém-concursado, que iria ajudar no laboratório de pesquisas de tomate. Meu pai o recebeu e, ao encaminhá-lo ao setor, advertiu-o de que o chefe tinha problemas de audição, por isso ele deveria falar mais alto. Assim que o rapaz saiu, meu pai ligou para o chefe do laboratório e disse que o novo assistente ouvia pouco, então todos precisariam falar um pouco mais alto que o costume. Pelo que sei, só após uns três meses os envolvidos perceberam que ouviam perfeitamente bem e que não precisavam mais gritar um com o outro. 

Então, se alguém te acusar de ainda ter a cabeça de 5ª série, sorria e receba isso como um elogio. E se for cearense, nem esquente, nossa molecagem vai bem além. Se há algo que o mundo precisa, é de mais leveza, bom humor, curiosidade e, acima de tudo, humanidade. A vida agradece.

Foto do Danilo Fontenelle

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