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O gato do machista
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

O gato do machista

Segundo ele (amigo), homem de verdade, aquele das antigas, tem cachorro. "Gato é coisa de mulher", dizia. Pro azar dele, o filho Marcos resgatou um filhote vira-lata que apareceu miando de fome na garagem do prédio
Tipo Crônica
FORTALEZA-CE, BRASIL, 23-03-2023: Animais são abandonados no Parque do Cocó e no Parque Adahil Barreto (Foto: Samuel Setubal/O POVO)
Foto: Samuel Setubal/O POVO FORTALEZA-CE, BRASIL, 23-03-2023: Animais são abandonados no Parque do Cocó e no Parque Adahil Barreto

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Aquele meu amigo que se considera um "machista normal" me contou mais uma das suas. Ele acha que não tem nada de errado em ser sensível, "desde que seja sem frescura", e com a condição de que nada envolva novelas turcas ou depilação.

Segundo ele, homem de verdade, aquele das antigas, tem cachorro. "Gato é coisa de mulher", dizia. Pro azar dele, o filho Marcos — aquele típico adolescente que adora provocar o pai — resgatou um filhote vira-lata que apareceu miando de fome na garagem do prédio.

— Não quero nem saber de gato aqui em casa! — decretou ele, sem rodeios. Só que a esposa e a filha já estão acostumadas a domar esse neandertal do asfalto. Entre uma conversa e outra, ele acabou cedendo aos apelos femininos.

— Mas o nome vai ser Apolo! — exigiu. — Era o nome do meu último cachorro na adolescência. Aquilo sim era um animal! Trinta e cinco quilos de pura força e ferocidade! — lembrou ele, com um estranho nó na garganta.

No dia seguinte, com todo mundo fora — a esposa no trabalho, os filhos na faculdade —, sobrou pra ele, recém-aposentado, a missão de levar o Apolo ao veterinário indicado por Marcos. E foi lá que tudo começou.

— Cara, foi um dos maiores constrangimentos da minha vida — começou ele, enxugando a testa com a própria camisa suada, ainda balançando a cabeça como se não acreditasse no que tinha acontecido. — Cheguei lá e era um lugar que misturava petshop e clínica veterinária. Meu plano era simples: banho no bicho, consulta rápida, vacina, vermífugo e pronto. Estaríamos em casa em no máximo uma hora.
Só que as coisas não foram bem assim.

— A primeira coisa estranha foi que eu tive que preencher uma ficha mais completa que uma certidão de nascimento. A maioria das perguntas eu marquei "não sei", porque, convenhamos, eu não faço ideia da linhagem daquele pé-duro, se ele é alérgico a xampu ou se prefere atum ao invés de ração. Pra piorar, ainda tive que preencher meu próprio cadastro com dados bancários e referências pessoais. Fiquei meio desconfiado, mas só entendi o motivo depois.

Logo após, apareceu um rapazinho — descobri depois que se chamava Xavier, mas no crachá tava escrito 'Vivi' — perguntando que tratamentos eu "gostaria de estar fazendo no Apolo". Sim, ele falou desse jeito, no gerundismo. Aí começou a listar os serviços: banho turco felino, ofurô com pétalas de rosa, hidratação, nutrição, reconstrução, botox capilar, selagem, blindagem...

— Perguntei se tinha banho com sabão de coco, e o Vivi quase desmaiou. No fim, fechamos no banho simples, com secagem normal mesmo. Apolo foi levado lá pra dentro e fiquei esperando na loja, aproveitando pra comprar umas coisinhas pro bicho.

— O senhor quer fazer o enxoval completo? — perguntou uma mocinha com piercing no nariz e cabelo azul, com aquela simpatia que mais parece deboche.

— Não, só duas tigelas. Uma de comida e outra de água.

Ela deu um muxoxo, como se eu tivesse ofendido Bastet, a deusa egípcia dos gatos, e disse que ia pegar "o essencial". Em questão de minutos, voltou com duas caixas de areia — uma pra ele fazer o número um e outra pra fazer o dois —, e uma série de brinquedos: varetinhas coloridas, ratos de pelúcia, bolas com guizos... Parecia que eu tava comprando presente pra uma criança mimada. “Mas é para enriquecimento do ambiente”, explicou. Ah, e ainda tinha cama, cortador de unhas importado, ração gourmet e uns sachês de comida úmida "pra uma dieta equilibrada".

— Paguei aquela fortuna rosnando — ele contou, suspirando. Fui deixar tudo no carro e, quando voltei, lá estava o Vivi, todo sorridente, me esperando na porta do setor de banho.

— Parabéns pela gatinha! Ela foi super boazinha! — disse ele, me entregando o Apolo todo perfumado, penteado e com umas estrelinhas de papelão na cabeça. — É que o senhor se enganou. Apolo é uma menina!

Na sala de espera do veterinário, eu era o único homem grunhindo e com um gato. As tutoras de felinos logo vieram se aproximando, cheias de simpatia, querendo conhecer a "Apolônia". Me avisaram pra me preparar pro cio, quando as gatas ficam "loucas". E ainda disseram que quem tem um gato nunca para no primeiro. Que existe um mecanismo divino, secreto e universal que faz com que gatos surjam na sua vida quando você menos espera.

Minha pressão já devia estar nas alturas quando finalmente chegou a minha vez. O veterinário, um rapaz de uns 25 anos, com jaleco estampado de mini gatos coloridos, um gorro com orelhinhas de gato e as unhas dos mindinhos pintadas de preto, exclamou:

— Ai, que lindo! Um senhor gateiro com sua primogênita! Que fofo!

— Cheguei em casa latindo à procura de Marcos. Aquilo com certeza foi armação dele.

Foto do Danilo Fontenelle

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