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Homem de verdade
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Homem de verdade

"— Eu sempre ouvi falar de violência doméstica, mas nunca tinha visto de perto. Nunca tinha conversado com uma vítima. Nunca tinha visto uma pessoa machucada. E o machucado era também na alma"
Tipo Crônica
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 20-11-2023: Instituto Maria da Penha em Forum Brasileiro de Enfrentamento a violencia domestica. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 20-11-2023: Instituto Maria da Penha em Forum Brasileiro de Enfrentamento a violencia domestica. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

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Tenho um amigo de décadas que, entre risos e conversas de bar, sempre se define como "um machista normal". Não aquele sujeito retrógrado, que acredita que o lugar da mulher é só na cozinha, mas alguém que insiste em certos princípios que, segundo ele, fazem parte de ser um homem de verdade. “Não é questão de ser antiquado, é de valores”, ele costuma dizer. Para ele, ser homem é proteger a família, ser gentil com a esposa e filhos, ser honesto, tratar bem todos ao seu redor, trabalhar duro e assumir as responsabilidades da casa. Até aí, quem discordaria?

O problema, segundo seu filho adolescente, é que ele faz questão de encher o peito ao dizer: “Só que não tenho frescuras!”, enquanto passa a mão na careca, ajeitando os poucos cabelos que restam com um pente de plástico desgastado. O filho sempre provoca: “Pai, pelo jeito, não tem diferença alguma entre ser machista e ser brega, né?”. As discussões se seguem, sempre meio que em tom de brincadeira, mas com uma pontinha de verdade pairando no ar.

Pois bem, um desses dias, meu amigo demonstrou a vibração de seus tais princípios. Era noite já avançada quando sua esposa recebeu um telefonema de uma amiga desesperada: o marido dela havia perdido a cabeça. Bateu nela, levou tudo o que podia de valor e saiu de casa, não sem antes deixar ameaças no ar. A mulher estava apavorada, sem saber o que fazer, com um filho de colo. Sem pestanejar, meu amigo pegou as chaves do carro e disse à esposa:

Homem que é homem não faz dessas coisas. Vamos.

E lá foram os três, meu amigo, a esposa e a amiga machucada, direto para a Delegacia de Defesa da Mulher. Era tarde, mas foram recebidos por uma policial com uma gentileza comovente, como quem acolhe alguém da própria família. Fizeram o boletim de ocorrência com uma rapidez que o surpreendeu. No futebol de sábado, comentou com entusiasmo.

— A inspetora parecia que abraçava a mulher só com o olhar, e com a maior precisão registrou tudo o que ela disse. Saímos de lá com a guia para exame de corpo de delito e um pedido de medida protetiva.
Era possível perceber que a situação mexera com ele. Ao me contar tudo, dizia:

— Eu sempre ouvi falar de violência doméstica, mas nunca tinha visto de perto. Nunca tinha conversado com uma vítima. Nunca tinha visto uma pessoa machucada. E o machucado era também na alma. Um sujeito desses, que bate numa mulher, parece que nunca teve mãe, irmã, filha… — suas mãos tremiam e sua voz, de vez em quando, embargava ao continuar o relato.

O que o confortou foi a rapidez com que o caso foi encaminhado à Justiça e a presteza com que foi deferida a medida protetiva. Daí, o caso foi inserido no sistema da polícia e, caso haja descumprimento, era só ligar para a Polícia Militar, que o atendimento seria imediato. Além disso, a vítima foi encaminhada a atendimento psicossocial.

Ele soube que aqui em Fortaleza a Delegacia de Defesa da Mulher funciona em plantão de 24 horas, contando com quatro delegadas. Tanto a Defensoria Pública Estadual quanto o Ministério Público Estadual possuem núcleos de combate à violência contra a mulher.

Gostou também de saber que o agressor foi encaminhado a um programa de reabilitação para atividades socioeducativas, numa tentativa de recuperar algum senso de humanidade.

— Quem sabe assim ele aprende o que é ser homem de verdade — concluiu meu amigo, dessa vez sem a pose de sempre, sem ajeitar o cabelo, apenas com o olhar firme de quem viu de perto o peso de uma dura realidade.

O curioso é que, naquele momento, todos percebemos que ser "uma pessoa de verdade" vai muito além de não ter frescuras. Quem sabe ser uma pessoa de verdade seja respeitar a todos. Conter a agressividade. Controlar seus ímpetos. Conservar seus princípios e ter coragem de reconhecer o erro e se educar. Afinal, tudo isso engloba o compromisso de lutar por uma sociedade mais justa, onde nenhum homem precise bater no peito nem em ninguém para se afirmar, e nenhuma mulher precise temer por sua vida.

Delegacia de Defesa da Mulher (85 3108-2950). Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (GAVV) da Polícia Militar (85 8118-0737).

Foto do Danilo Fontenelle

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