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Corações peludos e de patas
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Corações peludos e de patas

Essas pessoas que salvam animais veem cada bichinho como um universo, com medos, sonhos e saudades
Tipo Crônica
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 14-03-2024: Prefeitura oferece ações para pets no Dia Nacional dos Animais na Clínica Veterinária Jacó, no bairro Passaré, fornecendo testes rápidos DPP (Dual Path Platform) para Leishmaniose Visceral Canina. (Foto: Samuel Setubal) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 14-03-2024: Prefeitura oferece ações para pets no Dia Nacional dos Animais na Clínica Veterinária Jacó, no bairro Passaré, fornecendo testes rápidos DPP (Dual Path Platform) para Leishmaniose Visceral Canina. (Foto: Samuel Setubal)

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Definitivamente, deve existir um lugar especial “do outro lado”. Não é possível que, depois da “passagem”, todos nós — bons e maus, solidários e egoístas, honestos e desonestos, generosos e invejosos — estejamos juntos de novo, como se não houvesse diferença alguma.

Bem, pelo menos não num primeiro momento. Talvez, depois de muita depuração, de admitir os próprios erros e de pedir perdão, possamos nos reunir. Mas, assim, logo de cara? Não, não pode ser.
Digo isso porque, nas últimas semanas, tenho tido contato com pessoas que dedicam suas vidas a salvar aqueles que não falam, a cuidar de quem nada possui, a amparar os que sentem dor e sofrem em silêncio. Com certeza essas pessoas merecem tratamento diferenciado do “outro lado”.

Meu gato, Lee, está saindo de um longo período de sofrimento. Durante as consultas e visitas na internação, vi profissionais se entregando de corpo e alma àqueles bichinhos que acabavam de conhecer. Todos — atendentes, auxiliares, estagiários e veterinários especializados — foram de uma delicadeza rara, talvez até mesmo inexistente, em consultórios para humanos.

Vi de tudo naquela clínica. Um papagaio de estimação (devidamente registrado no Ibama) que havia "perdido a voz" e era amparado pelo dono que coçava sua cabeça inclinada. Uma mulher já madura, segurando nos braços um cachorrinho de olhar travesso, dizia, num tom que misturava derrota e amor incondicional, que "ele comeu uma meia... de novo”. Romeu, um gato sem raça definida, estava há dias sem comer. A dona viajara e ele sofria de saudade.

Foi então que entrou um senhorzinho com um cachorro minúsculo no colo, enrolado num cobertor como um bebê. "Ele andou meio triste esses dias," explicou o tutor, como se estivesse falando de uma pessoa de carne e osso. E, pra ser justo, acho que ele estava mesmo.

A veterinária, uma mulher magrinha com uma expressão tranquila, colocou a mão no cachorrinho, ouvindo o senhor com a paciência de uma terapeuta. Perguntou sobre a rotina do bichinho, se ele comia bem, se bebia bastante água, e o senhor ali, respondendo como quem confessa segredos de família. "Ele não gosta de ficar sozinho… acho que se sente solitário quando eu saio." E a veterinária balançava a cabeça, compreendendo cada palavra.

Eu já estava indo embora quando vi algo que me pegou desprevenido: o senhor, emocionado, segurou a mão da veterinária e disse, baixinho, "obrigado por cuidar dele como se fosse seu". E ela, sem alarde, apenas sorriu e disse: "Eles são todos um pouco nossos, não são?".

E ali fiquei, meio abestalhado, um pouco emocionado, pensando em como aquele lugar era mais que uma clínica. Era uma espécie de templo da empatia, onde a gente vai para lembrar que a vida vale pelos laços que cria, mesmo que esses laços sejam feitos de lambidas, miados ou voos desajeitados.

Essas pessoas que salvam animais veem cada bichinho como um universo, com medos, sonhos e saudades. E, entre remédios, cirurgias e terapias de reabilitação, elas não só devolvem a vida aos animais, mas devolvem o melhor de nós — aquele pedacinho que às vezes fica escondido ou abafado pelas coisas deste mundo, aquela fagulha que ainda arde em nosso peito e se acende toda vez que, assim como os animais, amamos sem esperar nada em troca.

E eu saí dali pensando que talvez nós, ditos civilizados, precisemos de mais clínicas de corações peludos e com penas por aí. Não só para salvar bichos… mas para nos lembrar da beleza de cuidar, de amar e de proteger o que é pequeno e indefeso dentro e fora de nós.

Definitivamente, todos que escolheram cuidar de animais possuem um lugar especial. Lá em cima, do outro lado — e nos nossos corações.

Foto do Danilo Fontenelle

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