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O Caçador Submisso
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

O Caçador Submisso

"E ele? Ele era uma espécie de escudeiro resignado..."
Foto de apoio ilustrativo (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Foto de apoio ilustrativo

Ah, esses dias… Tem quem diga que o supermercado é um campo de batalha disfarçado de prateleiras e ofertas.

Quem frequenta esses corredores sabe: ali, bem entre as latas de ervilha e os pacotes de biscoito, revela-se uma intrincada dança social, onde hierarquias silenciosas se formam, estratégias se desenrolam, e, claro, alguns guerreiros se mostram mais aptos do que outros.

Foi exatamente uma dessas cenas épicas que presenciei na última vez em que resolvi me aventurar entre os corredores do mercado.

Um trio peculiar entrou em cena: um rapaz de uns 35 anos, magro, com aquele ar de quem apenas cumpre ordens.

Ao lado dele, duas mulheres, sua mãe e sua esposa. E que mulheres! Elas avançavam entre as prateleiras com a precisão de quem já decorou o campo de batalha — conheciam cada canto, cada oferta, cada atalho.

Entravam nos corredores como veteranas experientes, daquelas que sabem exatamente o que querem e como vão conseguir.

Eram, se me permitem o elogio, como predadoras que conhecem cada trilha da selva. Nada de passos hesitantes, nem parar para ler rótulos ou comparar preços.

Elas sabiam. Uma pegava um pacote de macarrão integral com a precisão de uma águia que fisga um peixe; a outra, quase ao mesmo tempo, lançava um vidro de azeitonas no carrinho com a habilidade de um jogador de basquete profissional.

E ele? Ele era uma espécie de escudeiro resignado. Empurrava o carrinho com uma serenidade quase filosófica, como se já tivesse aceitado que seu papel ali era de suporte e de logística.

Ele ajeitava as compras com uma precisão quase reverente: latas de um lado, pacotes de biscoito do outro, tudo perfeitamente organizado para facilitar o trabalho no caixa e no futuro armazenamento — a simetria perfeita, uma arte silenciosa e desvalorizada.

Mas, como toda boa história, o clímax chegou de repente. As duas mulheres, em sincronia perfeita, decidiram se separar: a esposa foi para um lado, possivelmente atrás de alguma oferta emboscada, e a mãe foi para o outro, provavelmente farejando uma promoção irresistível.

E o rapaz… ficou ali, parado, com as duas mãos firmes no carrinho, sem saber para onde ir. Por um instante, parecia um animal perdido, um alce solitário no meio da savana, sem saber qual caminho seguir.

Até que, com a voz cheia de dúvidas existenciais, ele soltou o grito que definiu toda a cena: "Benhê, sigo qual?!".

Ali estava a pergunta de um homem dividido, de um guerreiro desarmado em meio à encruzilhada de sua própria vida. Sigo a esposa? Sigo a mãe? Quem, naquele instante, era a alfa do bando?

O supermercado inteiro pareceu suspender a respiração, como se aquele fosse o momento decisivo de um grande duelo.

Ele podia, claro, seguir a esposa e garantir a paz doméstica; ou então ir atrás da mãe e ganhar uns pontos a mais no ranking de "filho do ano".

Mas, pela expressão dele, era evidente que algo estava prestes a mudar. Foi quando uma faísca de revolta brilhou nos olhos do rapaz.

Ele olhou para a esquerda, depois para a direita… e, de repente, largou o carrinho ali mesmo, no meio do corredor.

Com um suspiro decidido, virou-se e seguiu por um terceiro caminho — o corredor dos snacks! Sim, senhoras e senhores, ele tinha escolhido seguir sua própria jornada.

Como um herói que finalmente decide lutar por sua liberdade, ele avançou pelos salgadinhos e chocolates com passos firmes, enquanto as duas mulheres, agora conscientes de sua ausência, gritavam por ele como generais abandonados no campo de batalha.

Mas ele não se abalou. Pegou um pacote de batatinhas, uma barra de chocolate e, com o orgulho de quem finalmente toma as rédeas do próprio destino, seguiu até o caixa, ignorando os olhares furiosos que queimavam em suas costas.

Naquele instante, ele não era mais apenas o filho obediente ou o marido dedicado. Era um homem livre, senhor de sua própria lista de compras — mesmo que ela consistisse apenas de besteiras.

E eu, assistindo àquela cena épica, só pude concluir: às vezes, é preciso coragem para largar o carrinho e trilhar o caminho dos snacks.

Porque a vida, de vez em quando, também precisa dessas pequenas rebeldias e de momentos de puro sal e açúcar.

Foto do Danilo Fontenelle

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