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Hospitais da indignidade, a pobreza
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Hospitais da indignidade, a pobreza

É a dignidade dos tempos negativos. Tudo abaixo de zero. Sempre menos para os desprivilegiados
Tipo Crônica
1201demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1201demitri.jpg

Vai uma dica para o prefeito Evandro Leitão (PT) em meio ao caos da saúde pública deixado por Sarto (PDT) e outras gestões. Pauta recorrente. Não irá alterar o quadro de penúria para desprivilegiados em Fortaleza, mas, provavelmente, qualificará o atendimento, pelo menos, no Frotinha da Parangaba.

E por que falo especificamente de lá? Porque, pelo acaso da existência e dos inesperados da vidinha, Mário Mamede e eu tivemos de acompanhar um amigo em um atendimento e reencontramos um médico imprescindível ao socorro público. O José Maria Pontes.

O Zé Maria, ex-petista, ex-presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará e ex-vereador de Fortaleza, há 41 anos não renuncia à vocação pública de se servir como médico à rede de saúde dessa Cidade de prefeitos iguais.

É admirável! Ele tem 73 anos de idade e ainda há vigor físico e cara honestidade de pessoa pública! Oferecer o corpo médico dele nos corredores lotados de gente despetalada, desplantada, de seres vivos enjeitados desde o nascimento.

Na última sexta-feira - esta crônica sobre saúde pública em Fortaleza, no Ceará, nunca será datada - o quadro no Frotinha da Parangaba era o Funil de Dante. Dois "corredores de observação" entupidos de precisão e macas precárias deitando todo tipo de molestados. Faltam leitos, sobram arrebentados.

A maioria dos fodidos era feita de pessoas que montavam motocicletas, essa desgraça - veículo de sobrevivência para alguns. Objeto do fetiche para os endinheirados e, nos anos de terror e golpismo, brinquedo para bolsonaristas.

E os IJFs pagam os danos e as mortes produzidos pelo ifood e genéricos.

Fora as duas alas, improvisadas nos corredores de uma guerra sem fim, há outro terror destinado à pobreza. Uma enfermaria sem pudor ou palavra que caiba. Dignidade zero.

Homens e mulheres, quase derrotados por alguma quimera e a falta de um plano de saúde escroto, dividem a mesma enfermaria.

Se fosse minha mãe, uma idosa! Caso fosse minha filha, minha companheira... para além da doença, teria algum comprimido para o vexame de estar nua num procedimento besta de um banho ou limpar as fezes e mijar na frente de homens, mesmo moribundos?

Duvido. Duvido que mães do governador, do prefeito, da vice-prefeita que é médica, de um empresário, de um promotor, de um desembargador e de um vereador... estivessem submetidos ali.

Daí o socorro a um amigo jornalista. Sem plano de saúde, mexido nas emoções e a gente pedir, pelo menos, uma avaliação atenciosa. Não era, nunca será, para furar a fila de tantos enfermiços.

É a dignidade dos tempos negativos. Tudo abaixo de zero. Sempre menos para os desprivilegiados.

Às 17 horas e alguns minutos, uma enfermeira passou no corredor e avisou ao doutor que as portas do Frotinha da Parangaba estavam fechadas. Lotação geral e sem condição para abarrotar ainda mais. Mas bateram à porta com uma criança em estado desmilinguido... O médico mandou abrir.

Fui assuntar. Só há um cirurgião geral de plantão no Frotinha da Parangaba. Não foi o Zé Maria Pontes que denunciou. Não foi. Nem carecia. Eu estava lá e passeei pelos corredores, entrei na enfermaria, me fiz de besta e fui ouvindo e vendo o que fede.

Zé Maria Pontes tem 41 anos de profissão em hospitais de urgência e desespero. Eu tenho quase 30 de jornalismo e pautas, também, sobre a bosta da oferta de saúde pública em Fortaleza e no Ceará. Mudou alguma coisa, somente.

Cobri plantões de faca, bala e desastres... com quatro ou três cirurgiões gerais de plantão num Frotinha. Foi em algum ano da década de 1990. Passaram-se 25, 30 anos e o Frotinha da Parangaba acode a pobreza, agora, com menos três. Brincadeira!

A sugestão, Evandro Leitão? Pegue o Zé Maria Pontes e o coloque como diretor desse Frotinha da Parangaba. Ele, por sinal, já foi gestor ali. É honesto, já poderia estar em casa frescando. Ou morando em Cuba, mas persiste na insistência de cirurgião de lascados.

Ele é desses médicos que não aceitam o assédio daquele povo dos laboratórios, mulheres bonitas e homens arrumados puxando malas cheias de seduções. Das viagens milionárias às reformas dos consultórios e clínicas em troca da alma médica.

Ele vai ser um pé no saco de sua gestão, é preciso. Porque é sério e vai te cobrar, insistentemente, por mais médicos comprometidos e o fim das macas nos corredores e enfermarias misturadas de machos e mulheres.

Nem sou íntimo da casa do Zé Maria Pontes, mas como repórter o conheço de jornadas infinitas do jornalismo. Irão te dizer, prefeito, que o José esteve na indelicada recepção aos médicos cubanos! Sim, estava, mas não era o Zé Maria dos corredores dos Frotinhas e Frotão. Garanto.

E, agora, o reencontro no meio de doentes e fodidos. No mesmo lugar onde sempre militou e não sentou praça nas clínicas médicas da Aldeota.

Estava ali na Parangaba, na última sexta-feira, tentando o alcançável. O José conhece há 41 anos, e sem enrolação de plantão ou soberba médica, os corredores dos hospitais públicos do desespero.

Estou de volta das férias.

 

Foto do Demitri Túlio

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