Caminho para o céu: Dori Caymmi reflete sobre "Prosa e Papo"
clique para exibir bio do colunista
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: Nana Moraes/ Divulgação
Dori Caymmi lança disco otimista inspirado em lembranças do pai Dorival
Ser otimista no Brasil é uma arte e exige esforço. Todo dia é um escândalo, um desentendimento, um absurdo, uma notícia de deixar os cabelos em pé. Aos 80 anos, Dori Caymmi se assume um pessimista nato, mas tentou virar essa chave em seu novo disco. "Prosa e Papo" (Biscoito Fino) tem reunião de amigos, fala das belezas naturais do Brasil, tem memórias familiares e outros sorrisos espalhados. Mas não sem os seus poréns...
O álbum vem depois de "Sonetos sentimentais para violão e Orquestra", em que musicou textos inéditos do seu parceiro mais frequente, Paulo Cesar Pinheiro, lançou nas plataformas digitais, mas "ninguém ouviu". O poeta retorna em "Prosa e Papo", que também apresenta o novo parceiro de Dori, Roberto Didio, marido de sua afilhada Ana Rabello - filha de Pinheiro e Luciana Rabello.
Os laços familiares também estão na faixa que dá nome ao disco. "'Carrapicho é mato, carrapato é bicho' é uma frase do meu pai. Eu peguei lembranças do meu pai, frases que ele falava e pedi ao Paulinho que fizesse as letras", conta o filho de Dorival Caymmi lembrando outra frase de dentro de casa: "Entre por onde saiu e faça de conta que não viu", essa presente em "Chato", faixa em que recebe João Cavalcanti.
Por telefone, do Rio de Janeiro, Dori Caymmi não parece o pessimista que se diz. Ele brinca que a memória não é mais a mesma, mas fala com alegria dos encontros e reencontros com amigos no novo disco. É o caso do MPB-4, com quem ele trabalhou em trilhas para a TV décadas atrás. Outra amiga de longa data é Joyce Moreno, que divide com ele e Zé Renato "Um carioca vive morrendo de amor". "Sempre que eu falava no Rio era sobre violência, crime, da tristeza. Dessa vez, eu falei 'vamos falar bem do Rio'. Nós achamos que seria muito bom uma música mais otimista", conta.
Otimismo também tem em "Canto Sedutor", balada sensível que deu nome ao álbum que ele compartilhou com Mônica Salmaso há dois anos. Nessa nova versão, ele se acompanha do piano de Bill Cantos e do baixo do cearense Jorge Helder. Este último também assumiu a desafiadora missão de produzir o disco, nesta que é a primeira vez que Dori abre a mão de produzir o próprio disco. "Eu sempre me virei sozinho. Normalmente, eu planejo tudo que vou fazer. Tem uma hora que perco a paciência quando tem muito palpite. Esse não foi exceção", conta ele com tranquilidade, acrescentando que chegou a pedir desculpas a Helder pelos desentendimentos. "É um amigo querido", segue sem perder o otimismo.
Com essa mesma positividade, ele enaltece as belezas brasileiras em "Evoé, nação", eleva a memória de uma das maiores vozes da América Latina em "Canto para Mercedes Sosa" (com participação de Renato Braz) e visita o Nordeste em "Três moças". "Tenho muita admiração pelos ritmos nordestinos, desde o Gonzaga. Meus heróis são o Dominguinhos e o Sivuca. Dois criadores que adoro. As pessoas chamam de forró, mas forró é uma festa. Tem tanto ritmo diferente que chamam de forró", aponta ele, que, mesmo tendo morado por muitos anos em Los Angeles e trabalhado com algumas estrelas internacionais, reafirma que sua música é brasileira. "Eu só faço música brasileira, eu tenho esse defeito. Do Rio de Janeiro ao Ceará, a minha música acontece aí. Eu não arrisquei nem ir para o Maranhão nem par o Piauí musicalmente", localiza.
Mas esse otimismo não impediu Dori Caymmi de revisitar uma das maiores tragédias ambientais do País, quando uma barragem da mineradora Samarco, ligada à Vale do Rio Doce, se rompeu e despejou 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios no Rio Doce, em Minas Gerais. "Água do Rio Doce" relembra a tragédia ocorrida em 5 de novembro de 2025, matando 19 pessoas.
Chegando nesse ponto, é difícil manter o otimismo. "É tanta porcaria de política, tentativas de golpe, interesses escusos, gente que não se entende. Eu dizia sempre uma frase que fazia parte de todas as minhas entrevistas: 'esse não foi o país que me prometeram'. Não há como ser otimista no Brasil. Tem sempre um cara querendo cimentar a floresta. Tem o marco temporal, essa palhaçada", lamenta Dori, que tentou mudar o próprio pensamento no disco novo. "Sou um pessimista nato, mas esse disco é a minha salvação. Se eu for para o céu, é por causa desse disco aí".
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.