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Amaro Freitas registra em disco o mergulho que fez na cultura amazônica
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Amaro Freitas registra em disco o mergulho que fez na cultura amazônica

Amaro Freitas mergulhou nas águas e na cultura amazônica e extraiu da mata os sons do disco "Y'Y"
Tipo Opinião
Amaro Freitas explora histórias amazônicas no disco 'Y'Y' (Foto: Micael Hocherman/ Divulgação)
Foto: Micael Hocherman/ Divulgação Amaro Freitas explora histórias amazônicas no disco 'Y'Y'

Para início de conversa, pedi a Amaro Freitas que apresentasse seu mais novo disco, "Y'Y" (lê-se "IêIê"). Com voz mansa, doce e muito bem explicada, ele começa pelo desafio que se impôs de criar um piano preparado que soasse brasileiro. Em seguida, o pianista pernambucano, um dos nomes mais respeitados da cena instrumental contemporânea, descreve com minúcias uma viagem que fez pela selva amazônica, onde conheceu a comunidade indígena Sateré Mawé. Ali, ele também conheceu árvores milenares, lendas, rituais, sabores e hábitos que viraram sua cabeça pelo avesso.

"Lá, conheci outro Brasil e percebi o quanto a experiência é mais importante do que ver pela TV. O encontro dos rios, o boto, as casas flutuantes, o peixe. Participei de rituais com todo mundo bebendo na mesma cabaça, comi carne de jacaré. Conheci professores indígenas, as questões sociais deles, toquei para eles. E nessa troca eu entendi para onde o disco deveria ir", descreve deixando claro que ainda está encantado com o que viu.

Voltando um pouco na história, Amaro Freitas vem de família evangélica e aprendeu a tocar com o pai, músico autodidata que "toca um pouco de cada instrumento". Depois de desistir da bateria, escolheu o piano, entrou num conservatório e logo saiu porque tinha dinheiro para se manter ali. Depois, ganhou um DVD de Chick Corea e se encantou pelo pianista, pela descoberta do jazz e pelo som dos aplausos. "Tenho vontade de dar um curso de aplauso. Os aplausos nesse show são como um cardume que vai chegando", descreve.

A experiência evangélica aparece nas entrelinhas do disco de estreia, "Sangue Negro" (2016), projeto independente que pagou com o que ganhava tocando numa pizzaria. Recebido com muitos elogios, Amaro lançou, dois anos depois, "Rasif", em que explora as tradições pernambucanas. Já reconhecido internacionalmente, em 2018 veio "Sankofa", em que explora a raiz africana. E foi ao fim da turnê deste que ele foi a Manaus e se embrenhou nas histórias da região.

Em nove faixas instrumentais, "Y'Y" vai contando histórias que passam por águas mansas, trovões, reuniões tribais, pássaros, plantas e seres encantados como a Uiara e o Mapiguari. Outro encantado que Amaro encontra é Naná Vasconcelos (1944-2016), a quem celebra na faixa "Viva Naná". O percussionista pernambucano também registrou em discos sua relação com as matas e a negritude.

A mensagem e a experiência até chegar a "Y'Y" tomam conta de mais de uma hora de conversa. Em certo momento, observa-se que o piano preparado não foi bem explicado. Mexendo nas entranhas do piano, ele quis extrair sons diferentes para o novo disco, mas sem soar como "experimentação". A lírica e a história eram mais importantes. Assim, ele transforma o piano numa oficina percussiva, usando prendedores de roupa e sementes de jarina, para fazer "Dança dos Martelos". Com fitas adesivas e um ebow (usado por guitarristas para manter as cordas vibrando sem parar), ele imita os sons de um boto rosa em "Uiara". O clima onírico de "Sonho ancestral" é alcançado combinando as teclas do piano com as de um instrumento africano chamado m'bira.

Embora não quisesse que "Y'Y" soasse como "experimentação", Amaro Freitas não tem medo de experimentar. Transitando fluentemente em palcos da América do Norte e Europa, ele já tocou com orquestras e espaços dedicados ao jazz. Por aqui, gravou com Sandy, Criolo e Manu Gavassi. "Não me limite. Me deixe ser, me deixe acontecer. É muito importante quando a gente se deixa arriscar", afirma com certeza na voz, antes de revelar projetos futuros que pede para manter em segredo. Pedido aceito, ele reafirma a necessidade que o homem tem de conhecer a profundidade da Amazônia e o quanto ele aprendeu ali sobre respeitar a natureza. "Eu descobri que quando um submarino desce no oceano, vai lá no fundo e apaga a luz, aparecem vários peixes que refletem luz. Tudo fica parecendo um céu estrelado. Uma imensidão. Tem certeza de que você quer jogar um canudo ali?".

Multi-instrumentista Joana Lima
Multi-instrumentista Joana Lima

A lista de Joana Lima

Tito Freitas - É o pianista que me faz ficar em catarse. Fico muito feliz em ouvi-lo tocar, admiro seus arranjos, suas harmonias muito bem elaboradas e um piano acompanhamento inquestionável. Para alem disso, para mim é um motivo de orgulho ter sido sua aluna durante um tempo. Pois estamos falando de um dos grandes nomes do Piano Brasileiro, que acompanhou Emilio Santiago, Tim Maia, Leny de Andrade, Alcione entre outros grandes nomes.

Thiago Almeida - É meu mestre, pois me ensina a olhar a música por outro prisma, sabe aquela pessoa que te faz refletir que existe vida fora da caixinha? Sua atuação na Marimbanda e seus discos autorais é prova do trabalho lindo que ele tem feito na cena da musica instrumental aqui em Fortaleza, que muito me inspira. Ter sua amizade é um trunfo pra mim, sempre que possivel trocamos algumas figurinhas.

Tom Jobim - Quando criança eu ia pra lan house baixar algumas músicas que gostava de ouvir, e me deparei com um pequeno trecho de "Águas de Março". Dali em diante comecei a procurar a música inteira, pois gostei tanto daquele trechinho que botava pra repetir várias vezes. Foi ali que descobri Tom Jobim, a cada música que escutava, mais eu me identificava com sua forma de compor. Lembro que quando ouvi "Wave" pela primeira vez eu estava aos prantos pensando como pode alguém compor uma música tão linda? E assim começou essa paixão pelo Tom.

César Camargo Mariano - Meu primeiro contato com o trabalho do César foi escutando seus lindos arranjos nas musicas da Elis Regina. Aquele Piano de tirar o folego, me instiga, me atrai e toda vez que escuto tento aprender um pouco, pegando seus arranjos de ouvido, aplicando suas ideias em outras músicas. Ele nem sabe disso, mas o tenho como um professor, seria incrível poder trocar umas ideias pessoalmente.

Salomão Soares - Conheci o trabalho dele em uma oficina de Piano Popular no Festival de Musica na Serra de Ibiapaba, nessa oficina aprendi muito sobre harmonia e as diversas formas acompanhamento no piano, pois o piano rítmico é muito presente em seu trabalho. Depois passei a acompanha-lo pelas redes sociais e me apaixonei ainda mais quando vi pela primeira vez um pianista tocando levadas de baião, forró, maxixe, porque eu nunca tinha visto aquilo antes.

Mateus Fazeno Rock
Mateus Fazeno Rock

Notas musicais

Deluxe

O cearense Mateus Fazeno Rock relança seu álbum de 2023, "Jesus Ñ Voltará" pela Deck Discos. Vencedor do Prêmio APCA na categoria Revelação, o rapper conta com participações de nomes como Jup do Bairro, Brisa Flow e Mumutante. A nova versão do disco conta com a faixa-bônus "Madrugada".

Em Vinil

Dois anos depois do lançamento em show e CD, o disco "Língua Brasileira" ganha versão e LP verde pelo Selo Sesc. O álbum é fruto da parceria de Tom Zé com o diretor teatral Felipe Hirsch. Venda exclusiva do site do Selo e nas unidades do Sesc SP.

Relançamentos

A Universal Music segue focada em reaquecer seu acervo em formatos diversos. Entre as novidades, o último disco de Beth Carvalho, "Nosso Samba está na Rua" (2011), ganha versão digital, enquanto "Balacobaco" (2003), de Rita Lee, e "Pedaços", de Simone (1979) ganham novas versões em LP.

Foto do Marcos Sampaio

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