Sem dramas, documentário reforça magia dos Beach Boys
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Em 1967, Brian Wilson começou a trabalhar no disco "Smile", que teria a inglória missão de suceder o clássico "Pet Sounds", do ano anterior. No entanto, a época não andava bem para o vocalista, compositor e mentor dos Beach Boys. Abuso de drogas e "overdose de sucesso" estavam minando o quinteto que marcou o verão californiano falando de garotas, paixões quentes, praia e surf.
Essa história, pontuada por risos e lágrimas, é contada no documentário "The Beach Boys", dirigido por Frank Marshall ("The Bee Gees: How can you mend a broken heart") e Thom Zimmy ("Elvis Presley: The searcher"). Disponível no Disney , o filme de quase duas horas segue uma narrativa linear que vai do que levou aqueles jovens a se reunirem até o que levou ao afastamento.
Essa linha temporal é construída com imagens de arquivo, declarações exclusivas para o filme e depoimentos de músicos como Don Was, Ryan Tedder e Janelle Monáe. Entre novas e velhas imagens, os próprios Beach Boys também contam a história que começa no finzinho dos anos 1950, quando Brian Wilson põe ao lado do desejo de ser psicólogo em nome do prazer que tinha tirar no piano as melodias do grupo The Four Freshmen. Filho de músicos, ele começou a chamar os mais próximos para ensaiar aqueles arranjos. E chegaram seus irmãos Carl e Dennis, seu primo Mike Love e o vizinho Al Jardine. "Basicamente, nosso forte é harmonia, porque tem uma certa mistura familiar", confirma uma voz não identificada na frase que abre o filme.
De forma despretensiosa, essa turma captou o clima jovem da época e transportou para músicas tanto bobinhas como lindinhas. O surf era a base do que compunham, embora só Dennis fosse surfista - os demais tinham medo até da água. Construído o mito dos jovens corados de sol, felizes com blusas coloridas, o passo seguinte foi desconstruí-lo. O cansaço das longas turnês intercaladas por horas estúdio trouxe o desgaste. Brian abandonou as viagens para se dedicar às gravações. E é aí que nasce "Pet Sounds".
Experimental ao ponto de usar animais de verdade no estúdio, o álbum é igualmente belo e surpreendente. Tanto que veio a rivalidade dos fãs dos Beatles (que lançam em 1967 "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band") para saber quem influenciou quem. A voz de Paul McCartney aparece em certo momento do filme declarando: "toda invenção nele é de cair o queixo". Carol Kaye, baixista que toca em "Pet Sounds", afirma sobre Brian: "Acho que não ter sido educado musicalmente foi ótimo para ele. Porque ele não conhecia os limites. Não sabia o que não podia fazer".
A magia em torno dessas canções, o quanto influenciaram uma geração, o desejo de ir além e experimentar são postos no filme que encerra com os cinco músicos, já idosos, sentados à beira mar. A imagem é linda, mas os dramas que levaram até aquela praia são tratados de forma apressada na segunda hora do filme. Brian, diagnosticado com distúrbio neurocognitivo, se isolou da sociedade e só viu alguma luz de alegria voltar quando conheceu Melinda Ledbetter, vendedora de carros por quem se apaixonou - gerando desconfiança nos colegas. A aproximação com o guru assassino Charles Manson, brigas judiciais, mudanças de formação, lutas por direitos autorais, a reaproximação errática para uma turnê em 2013 e a atualidade da banda que segue em turnê são jogadas ou não tratadas. Como num filme de super-herois, "The Beach Boys" se preocupa mais em cristalizar a imagem do quinteto do que em humanizá-los. A propósito, aquele disco "Smile", citado no início do texto, só ficou pronto em 2004, quando já era uma lenda.
A dona do tempo
Dois anos depois de "O que meus calos dizem sobre mim" (2022), Alaíde Costa volta com a segunda parte da trilogia produzida por Marcus Preto, Pupillo e Emicida. "O tempo agora quer voar" conta com oito faixas inéditas assinadas por nomes como Marisa Monte, Rashid e Zé Renato.
Reacendida por uma nova audiência (boa parte dela atraída pelo nome de Emicida), a carioca de 88 anos vive um momento inédito com agenda cheia e novos discos. Algo semelhante ao que aconteceu com Elza Soares após "A mulher do Fim do Mundo" (2015), mas sem a mesma proporção. A sambista, além de mais pop e malandra, se vestiu com os discursos de representatividade que atrai a juventude para um novo mercado.
Alaíde é de outra linhagem, mais resguardada e até reclamou de tantas vezes que já perguntaram sobre preconceito e sobre ter sido escanteada na bossa-nova. Assim como sempre, ela partiu para a vida e foi atrás de garantir sustento com seu ofício. "O tempo agora quer voar" tem como destaque o timbre personalíssimo e a interpretação arrancada das áreas mais profundas de sua alma. É o caso de "Bilhetinho", de Rubel, Emicida e Luz Ribeiro, em que ela tensiona momentos trágicos e relaxa nas frases mais doces (atenção na orquestra).
Inesquecível também o dueto com Claudette Soares em "Suave Embarcação", parceria de Alaíde com Nando Reis. O mesmo com "Foi só porque você não quis", que nasceu do desencontro que deixou Caetano Veloso de fora do álbum "Coração", de Alaíde. Anos depois, o baiano encontrou a cantora e brincou: "Alaíde, pena que eu não entrei no seu 'Coração'". Ela respondeu: "Não entrou porque não quis". Emicida pegou o mote, escreveu a letra e deu para Caetano botar melodia. A última parte da trilogia está prometida para 2026, quando ela terá 91 anos. Um marco histórico por si.
notas musicais
Para Chico
Cantora e atriz Laura Proença estreia em disco celebrando os 80 anos de Chico Buarque. "Pode ser a gota d'água" traz nove faixas, incluindo pedras fundamentais como "Eu te amo" e "Folhetim". Laura é filha do pianista Miguel Proença.
Provocações
A cearense Luh Lívia está com novo EP na praça. "Infeli-Cidade" conta com faixas que abordam assédio, transfobia e depressão. Além das autorais, o álbum traz uma composição de Calé Alencar ("P.S. VSF!") e "Melô do Djavan", de Mateus Fazeno Rock.
Participando
Sem disco há 4 anos, Fernanda Takai está presente em dois projetos. Um deles é o disco "Tobogã", de Lô Borges, cuja faixa-título foi composta e gravada pelos dois. O segundo é a regravação de "Demorou pra ser", que abre portas para o novo projeto do Vanguart.
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