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Clara e o Nego
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Clara e o Nego

Em novo espetáculo, Arrigo Barnabé celebra a memória e as dores do amigo e parceiro Itamar Assumpção
Tipo Opinião
Arrigo Barnabé celebra obra de Itamar Assumpção em disco com a banda Trisca (Foto: Stela Handa)
Foto: Stela Handa Arrigo Barnabé celebra obra de Itamar Assumpção em disco com a banda Trisca

Exigente, criativo e às vezes frustrado por não ter o reconhecimento devido, Itamar Assumpção é desses compositores que certamente você conhece, embora não saiba que conhece. Zizi e Luiza Possi, Rita Lee e Chico César são alguns dos seus parceiros e/ou intérpretes. Paulista de Tietê, ele foi um dos principais representantes de uma geração de músicos que elasteceu os limites da MPB, no fim dos anos 1970, a partir de shows e gravações que aconteciam em um porão apertado da rua Teodoro Sampaio, no bairro de Pinheiros.

Outro cabeça dessa turma que ganhou o nome de Vanguarda Paulista foi Arrigo Barnabé, que conheceu Itamar quando ambos ainda engatinhavam na carreira musical. Amigos, contemporâneos, parceiros, eles chegaram a morar e ser presos juntos. "A gente estava sem carteira de estudante, nem carteira de trabalho. Você acredita numa coisa dessas? Prender a gente, levar dentro de um camburão da meia-noite até umas 3 da manhã e paramos lá na delegacia. Nossa senhora, porra, hoje se eu entrar num camburão... Sou claustrofóbico", lembra Arrigo que ficou cantando "Milagre dos Peixes", do Milton Nascimento, com Itamar dentro da viatura para manter a calma.

Passados muitos anos, Arrigo presta uma segunda homenagem ao amigo falecido em 2003. A primeira foi uma missa lançada em CD três anos após a morte de Itamar. A segunda é "Arrigo visita Itamar", projeto dividido com o Trisca, trio formado por membros da banda Isca de Polícia, que acompanhou Itamar por muitos anos - Paulo Lepetit (baixo, arranjos), Jean Trad (guitarra) e Marco da Costa (bateria). Lançado em áudio e vídeo nas plataformas digitais pela gravadora Atração, o projeto foi gravado ao vivo no teatro Centro da Terra, em São Paulo.

Ao longo de 17 faixas, Arrigo Barnabé vai explorando e expandindo o universo sonoro do compositor de "Dor Elegante", faixa que, no álbum, abre o momento dedicado às dores do corpo e da alma - que segue com "O relógio do Rosário", de Drummond, "De mais ninguém", de Marisa Monte e Arnaldo Antunes, "Mal Menor", de Itamar, e "Luz Negra", de Nelson Cavaquinho. Outra do sambista mangueirense é "Quando eu me chamar saudade", em que o autor pede reconhecimento em vida e não quando for tarde demais. Itamar fez o mesmo por muitos anos.

Um dos desafios que Arrigo colocou para Lepetit foi unir "Clara Crocodilo" e "Nego Dito" numa faixa só. Essas canções marcam o início da carreira deles: a primeira deu nome ao álbum de estreia de Barnabé com a banda Sabor de Veneno e a segunda é o grande marco do disco "Beleléu, Leléu, Eu", de Assumpção (ambos de 1980). "Eu lembro quando ele me mostrou o 'Nego Dito' e falei: 'Nossa, Itamar! Que puta música'. Ele entrou no Festival (da Vila Madalena) e acabou não ganhando, tirou o segundo lugar, mas isso impulsionou ele. O (selo) Lira Paulistana resolveu gravar um disco dele", relembra Arrigo por telefone.

No início da carreira, eles mostraram composições um para o outro, dividiram o palco e Itamar abria os shows de Arrigo. Itamar, inclusive, fez arranjo de base e tocou baixo em "Diversões Eletrônicas", vencedora do Festival Universitário da TV Cultura, em 1979. "Ele era muito exigente mesmo. E nós todos éramos. Ensaiar muito até que ficasse tudo perfeito, né? Ele falava assim: 'você que é experimental. Eu sou popular, eu não tenho nada de Vanguarda", ri Arrigo apontando por que ainda se faz necessário ouvir Itamar Assumpção em 2024. "É uma coisa perene, continua contemporâneo, é atual. Uma coisa que não se desgasta. E é um aspecto da cultura musical brasileira que não foi devidamente divulgado na época. A gente sofreu um boicote grande das rádios e televisões. Mas aí você vê a Zélia (Duncan) faz um disco cantando Itamar. A Cássia Eller gravou muitas coisas Itamar, Ney Matogrosso gravou muita coisa do Itamar. A filha dele, a Anelis, é uma representante da novíssima música. Ele continua aí, né?".

 

Capa do disco 'Rumo ao Vivo', do Grupo Rumo
Capa do disco 'Rumo ao Vivo', do Grupo Rumo

Mais vanguardas

Tetê Espíndola -

Natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Tetê veio de uma família de músicos. Dona de agudos lancinantes, seu disco "Pássaros na Garganta" é uma obra-prima que ganhou o rótulo de "sertanejo lisérgico".

Tiago Araripe -

Cantor e compositor cearense que saiu do Crato para se misturar com a turma do Lira Paulistana. Integrou a banda Papa Poluição, dividiu o palco com Tom Zé e lançou "Cabelos de Sansão" (1982), relançado em CD por Zeca Baleiro.

Vânia Bastos -

Paulista de Ourinhos, é vocalista em álbuns de Arrigo Barnabé, como "Clara Crocodilo" e "Tubarões Voadores". Na carreira solo, tem discos dedicados às obras de Edu Lobo, Caetano Veloso e Tom Jobim.

Premeditando
o Breque -

Ou Premê, é um grupo formado por estudantes da USP. A mistura de samba de breque, rock, pop, bom humor e crônicas de São Paulo marcaram a banda que contava com nomes como Mário Manga e Wandy Doratiotto.

Grupo Rumo -

Liderados pelo compositor Luiz Tatit, o conjunto que chegou a ter 10 integrantes tinha como marca um modo de cantar que se aproximava da linguagem falada. Além de Tatit, foi o grupo que apresentou Ná Ozzetti.

Paulo Tatit e Sandra Peres do Palavra Cantada
Paulo Tatit e Sandra Peres do Palavra Cantada

Notas musicais

Pai e filho

Sete anos depois de "Sintetizamor", o encontro de Donatinho e João Donato rende um novo disco. Reunindo faixas deixadas pelo pai, falecido em 2023, o filho lança agora "Sintetiza2", com novas misturas de bossas e beats. Bom para dançar.

Encontro

O selo Rocinante está lançando em LP o segundo disco de Joyce. "Encontro Marcado" é, como os outros da carioca, um apanhado de refino e qualidade. Entre faixas autorais, versões para Gilberto Gil ("Bom dia") e Luiz Gonzaga ("Asa Branca").

Infantil

Grandes representantes da música infantil nacional, o Palavra Cantada - Sandra Peres e Paulo Tatit - completa 30 anos em 2024. Para comemorar, eles lançam novo disco ("Cenas infantis") com participação de Chico César e homenagem à Rita Lee.

Foto do Marcos Sampaio

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