Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Vanessa de Assis aprendeu a ouvir música mexendo nos discos de casa. Da coleção da mãe, decorou um amplo repertório sertanejo, mas seu gosto pende mais para o rock. Já uma carreira como cantora estava fora de cogitação por dois motivos: ela é tímida e desafina com frequência. Como esta inabilidade vocal já era conhecida na família, foi um espanto quando chegou dizendo que agora era vocalista de uma banda.
"Sou conhecida por cantar ruim. Eu sempre quis cantar e a minha irmã hoje fala: 'cara, tu deu um jeito de cantar, né?", ri a intérprete de Libras de 36 anos que, em 2023, foi convidada para ser vocalista da banda de Berg Menezes. Cantor e compositor com quase 20 anos de atuação na cena cearense, ele vem, desde 2019, chamando atenção para o tema da acessibilidade. Mais do que receber o intérprete no palco, ele tem uma como integrante fixa da banda, acompanhando ensaios, pensando o show e compondo.
"Quando a gente vai criar uma música e ele dá uma frase, é aí que eu começo: 'Mas isso significa o quê? Por que na Libras ficaria assim, mas ficaria mais bonito, mais poético, se eu fizesse isso e essa palavra combina com esse sinal. A gente faz essa troca de ideias", detalha Vanessa. Também na Libras, tem diferentes formas de dizer a mesma coisa. Então ela busca combinar a clareza da informação com o movimento mais bonito.
Ela conta, porém, que esse protagonismo da Libras no trabalho do Berg é um ponto muito, mas muito fora da curva. Embora a legislação exija a presença de intérpretes em eventos públicos, raramente essa regra é cumprida como deveria. Tem artista que não quer dividir o palco com um intérprete, que não quer a tradução exibida no telão, que entrega repertório em cima da hora e por aí vai. "Já aconteceu de chegar e não ter um espaço pra equipe. Eles queriam colocar a gente em cima de cadeira de bar, dessas de plástico. E tem que ter luz, tem que ter um retorno", explica ela sobre o básico.
Formada em Geografia, Vanessa de Assis começou a estudar Libras em 2013, quando foi convidada para dar aulas em uma escola de alunos surdos. "Só que eu não sabia disso. A escola tinha intérpretes e eu entrava em sala com uma me acompanhando. Isso foi muito angustiante para mim, eu estar numa sala de aula e não conseguir me comunicar com os meus alunos", lembra. Ela decidiu estudar e, com um ano, já entrava só em sala. Hoje, além de dar aulas (de História), ela trabalha como intérprete no Centro Cultural do Bom Jardim e na UFC, e faz tradução em eventos.
E foi num desses eventos, um Carnaval, que ela viu Berg Menezes pela primeira vez e já admirou o papel que a Libras tem na sua música. Meses depois, ela foi indicada para acompanhá-lo numa turnê que passaria por Quixeramobim, Natal, João Pessoa e Fortaleza. E foi na primeira parada da turnê que ela estreou como vocalista. "Para mim, foi muito importante porque eu morei em Quixeramobim, minha família é de lá. Pai, irmã, sobrinho, tias, primas, todos foram me ver", lembra, acrescentando um porém. "Isso está sendo muito novo porque eu sou tímida. Mas eu me sinto muito à vontade com a banda. No meu trabalho, aprendi que sou só um instrumento. Ali em cima do palco, eu não sinto vergonha porque eu estou só passando uma mensagem que alguém está falando. Aquela mensagem não é minha e acho que o intérprete profissional tem que ter muito isso dentro dele". Porém, "com o Berg não. Com ele, eu tenho que colocar um pouco da minha mensagem, da minha interpretação".
Já ao fim da conversa, mais à vontade, Vanessa revela que a Libras chegou em um momento de transformações. Separação, casa nova, independência, novo emprego e, de moça tímida, ela virou vocalista de uma banda de rock. Como o trabalho de intérprete tem crescido, ela já pensa em deixar a sala de aula. O lançamento mais recente de Berg foi o clipe de "Fagulha", gravado no Festival Música na Ibiapaba, em julho deste ano. E um novo projeto está nascendo, ainda em segredo: "A ficha ainda não caiu. A sensação que eu tenho é que minha vida está começando agora".
A lista de Berg Menezes
Grandes Infieis (Violins) - É o melhor disco do underground brasileiro. É uma banda fantástica e tem um vocalista fantástico (Beto Cupertino). Pra mim é uma obra-prima do rock nacional.
Ventura (Los Hermanos) - É muito bom do começo ao fim. Tem uma mixagem diferente da maioria dos discos brasileiros e tem um duelos de composições muito saudável entre o Amarante e o Camelo. Todo o conceito é muito bem feito. Posso dizer que é o melhor disco de rock brasileiro nos últimos 20 anos.
Invisible Band (Travis) - É o disco de maior sucesso da banda. Muitos sucessos pop que tocaram muito, quando despontou internacionalmente. A capa é muito bonita, as melodias. Me influencia demais.
B-Sides (Sepultura) - Não é um disco de carreira, mas é muito importante pra mim porque foi como eu conheci o Sepultura. Tem arranjos muito bacanas, mostra as construções, tem muita coisa de bastidor.
Hail to the Thief (Radiohead) - É o disco do Radiohead que é construído de uma forma mais ampla. É muito marcante por uma postura mais enérgica da banda. Os videoclipes desse disco são muito bons.
Onde estudar Libras em Fortaleza
Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará (Creaece)
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