Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Novidades da música cearense que chegaram em 2024, como parcerias instrumentais, homenagem a Chico Buarque e inéditas de Raimundo Fagner
Foto: divulgação
Capa do disco 'De lá pra cá', do grupo Murmurando com Adelson Viana
Marimbanda e Adelson Viana e Murmurando
Luizinho Duarte é uma usina de sons, ritmos e ideias musicais. O tempo presente para se referir ao músico falecido em 2024, aos 67 anos, é necessário. Em mais de 50 anos de carreira, ele deixou um legado inesquecível para a música instrumental brasileira e ainda um baú de composições inéditas que vai sendo mexido aos poucos. E foi de lá que saiu o disco "Lindo Sol", que a Marimbanda lançou este ano.
O álbum é curtinho, apenas sete faixas, mas revela muito do que podem Luizinho e a Marimbanda. O quarteto - Heriberto Porto (flautas), Thiago Almeida (piano e arranjos), Michael Silva (bateria) e Netinho de Sá (baixo, estreando no lugar de Pedro Façanha) - explora ritmos, timbres e possibilidades sonoras em um trabalho que soa especialmente inspirado na curta discografia desta banda orgulhosamente cearense.
Fazendo um passeio rápido por "Lindo Sol", a faixa-título é um funk jazz com ares de Marcos Valle anos 1980. "Abracadabra" tem ares misteriosos, como se os músicos quisessem fazer um filme de suspense. "Em tuas mãos" é puro jazz e suingue, com pegada meio Dave Brubeck. "Lago das Pedras" é do começo da Marimbanda, tem cerca de 25 anos, mas só agora ganhou arranjo de Thiago, que começa camerístico - com o reforço de Dora Utermohl (violoncelo) e Mathilde Fillat (violino) - e termina em baião. "No forró do Barro Seco" recebe o sanfoneiro Adelson Viana duetando com o quarteto que se desdobra em improvisos ao longo de mais de 8 minutos. Para encerrar, dois sambas": "Um samba louco" tem ritmo quebrado, pontuado por diálogos de flauta e piano elétrico, e reafirma por que Michael Silva é um dos grandes instrumentistas contemporâneos; já "O samba na escola" é uma delícia, cheio de fusões rítmicas, que saem do samba, vão ao boogie, rock, jazz e voltam, mantendo um sorriso no ar.
Foto: divulgação
Capa do disco 'De lá pra cá', do grupo Murmurando com Adelson Viana
Por falar em Adelson Viana, este gentil, discreto e incrível músico cearense lançou este ano "De Cá Pra Lá", álbum em parceria com o grupo Murmurando. Explorar a tradição do choro, do samba, do xote, do baião e elevar isso a um status de grandeza é algo que Adelson faz muito bem - quem ouviu sua parceria com o violinista Cainã Cavalcante, "Nessa Praia" (2019) já sabe disso. E aqui ele faz o mesmo, escorado em um grupo com 20 anos de carreira - formado por Samuel Rocha (violão 7), Lauro Viana (cavaco) e Cleylton Gomes (flauta), além dos convidados para o álbum Paulo Maurício (clarinete) e Igor Ribeiro (percussão).
Menos jazz e bem brasileiro, "De Cá Pra Lá" nos transporta para um passado glorioso de composições de Jacob do Bandolim, Sivuca e Waldir Azevedo. No entanto, as composições são seis de Adelson, uma de Samuel Rocha e uma do violonista João Lyra ("Choro pro Adelson"). Difícil destacar um faixa quando tudo soa com tanta harmonia dentro de uma proposta tão coesa, que abre espaço para cada músico mostrar suas habilidades. Assim sendo, para que nenhuma faixa fique com ciúme, sugiro ouvir o disco todo, depois ouvir a Marimbanda, em seguida bater no peito com orgulho de saber que aqui se faz música de altíssima qualidade.
Jorge Helder esperou décadas até assinar o primeiro disco solo. Mas a estreia veio em 2020 e, em seguida, mais dois títulos. O mais recente dessa tríade é "Samba e Amor", em que o baixista cearense interpreta ao seu modo oito faixas de Chico Buarque. Jorge conhece bem esse repertório, uma vez que integra a banda do carioca há bons 30 anos.
"Samba e Amor" chega na esteira das comemorações pelos 80 anos do compositor de "As Vitrines", faixa que aqui aparece numa releitura instrumental de ares jazzísticos. Ao lado de Helder, um trio de estrelas formado por Chico Pinheiro (guitarra), Hélio Alves (teclados) e Vitor Cabral (bateria e percussão). Além deles, Vanessa Moreno e Filó Machado colocam novas interpretações sobre os clássicos já tão reconhecidos de Chico. Ela é de São Bernardo do Campo (SP) e uma das vozes mais intrigantes da cena MPB/independente/alternativa nacional. E ele já fez de tudo na música em mais de 50 anos de carreira, dentro e fora do Brasil.
Assim, "O que será" e "Deus lhe Pague" soam renovadas em versões urgentes, nervosas. Ambas vão na contramão de "Morro dois irmãos", que ressurge como uma cantiga de ninar, contando ainda com um segundo baixo tocado por Iury Batista. "Basta um dia" ganha outra dramaticidade com a voz de Vanessa deslizando sobre uma trama sinuosa de bateria e piano. "Ela desatinou" soaria como um samba tradicional, não fosse o fraseado experiente de Filó Machado ao lado da percussão de Rafael Mota.
Lançado pelo Selo Sesc, o álbum tem ainda "Brejo da Cruz" e a faixa que dá nome ao disco. Com tantos tributos e releituras que ganhou ao longo da vida, Chico Buarque virou um lugar comum para quem quer regravar boa MPB. No entanto, Jorge Helder prova que nem tudo é fórmula quando a intenção é verdadeira. Ele é um dos músicos mais requisitados do País e, ao lado de gente experiente, disposta a desafiar as facilidades, encontra novas formas de mostrar canções que já fazem parte da nossa memória coletiva.
Dez anos depois do último álbum de inéditas, Fagner lança "Além desse futuro". Entre o romântico e o nostálgico, o 38º disco do cearense de 75 anos tem apenas oito faixas que reúnem parceiros recorrentes (Fausto Nilo, Zeca Baleiro, Caio Silvio...), um sucesso de Vander Lee que ele já vinha fazendo em shows ("Onde deus possa me ouvir") e algumas das últimas gravações do saudoso guitarrista Cristiano Pinho, falecido em 2024.
Do começo ao fim, Fagner parece apegado ao passado, desde a sonoridade cheia de timbres oitentistas até o desejo de rever antigas questões. Faixas como "Recomeçar" ("Vida que não cabe na bagagem, tanta coisa já ficou pra trás") e a cantiga de ninar "Filho meu" (dedicada ao advogado Bruno Tocantins, de quem Fagner descobriu ser pai tardiamente) mostram isso. A maior surpresa de "Além desse futuro" é o reggae "Amigo de copo", que recebe Jorge Vercillo para falar da boemia como o lugar de reavaliar questões pessoais e universais - até o Bar do Vaval, onde Fagner bate ponte às segundas-feiras, é citado na letra.
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