Alan Morais se une ao poeta Carlos Nóbrega para lançar disco de estreia
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Alan Morais é um dos nomes mais requisitados da noite fortalezense. Não bastasse ser um dos fundadores do saudoso bloco Sanatório Geral, ele tem uma agenda de apresentações em bares e casas de shows para onde leva caixas de LPs para atuar como DJ. Garimpeiro de sebos e lojas de vinis, ele já viveu a música de diferentes formas: colecionando, comentando, tocando, cantando, compondo. Mas, só agora, aos 48 anos de vida e 25 de carreira, assina um primeiro disco solo.
Lançado em vinil, "A voz e o verso" marca o encontro das melodias de Alan com a poesia de Carlos Nóbrega, a quem foi apresentado durante a pandemia pelo cantor e compositor Eugênio Leandro. "Ele é muito, realmente, recluso, é pouco de oba-oba, de sair. Mas o Carlos Nóbrega já tem 13 livros lançados, eu tenho aqui", apresentou o compositor de "Catavento". "Quando eu conheci, eu devorei. Eu tenho parceria com dezenas de poetas e letristas cearenses, mas com o Carlos Nóbrega, para você ter uma ideia, tenho mais de 105 músicas. Fora os esboços, ideias inacabadas", contabiliza Alan que define o parceiro como um "Manoel de Barros urbano". "Foram impactantes os temas, como ele trata cada assunto é muito peculiar. Ele tem um estilo único", justifica.
Dessa safra, eles separaram 11 parcerias para gravar em "A voz e o Verso" - além do bônus carnavalesco "Lagarta de Fogo", só de Alan. Ao longo de 37 minutos, eles falam de muitos assuntos e das mais variadas formas. Refletem sobre as linhas de uma rede em "Varanda", a saudade vira tema para um blues de levada nordestina, "Viemos do mar" já é um acalanto psicodélico que lembra Ednardo, o xote "Clara, lua da manhã" fala do amor pela madrugada, e apaixonada "Se eu sentir" poderia estar num disco de Fagner.
Alan cita o virtuosismo do rock progressivo como uma das inspirações que usou para seu disco, além de nomes como Sérgio Sampaio e Luiz Melodia. "Inclusive esse disco parece demais com esses artistas porque ele tem um problema de rotular. Eu não sei rotular. Se alguém me pergunta qual é o seu gênero musical, não tenho. Tem uma unicidade, uma identidade, mas cada música tem um estilo diferente", comenta Alan, que assume todos os vocais com muita personalidade. "Quem iria cantar minhas músicas? Assim, talvez no futuro grandes intérpretes vão descobrir e gostar. Mas eu canto porque componho, porque eu tenho que cantar. Então, a gente vai desenvolvendo cada vez mais com a experiência, cultivando a própria voz, nossa identidade, que eu considero o mais importante", determina.
Já a parte instrumental contou com a ajuda de muitos amigos. Um se oferecia para colocar uma guitarra, outro para tocar bateria, outro fez o baixo, outra guitarra ali, um teclado acolá, e assim foram nascendo as faixas com o reforço de nomes como Pantico Rocha, Alan Kardec e Caio Talmag (filho de Nóbrega, também responsável por arranjos, direção musical, mixagem e masterização). E também foi com a ajuda de muitos amigos que o projeto se viabilizou financeiramente. Após abrir uma campanha de financiamento coletivo, ele conseguiu cerca de um terço do valor esperado (R$23mil). "Sem a campanha eu jamais teria concretizado esse trabalho. Foi o que deu muita força para que fosse possível. O parceiro Carlos Nobrega também tinha uma parte, mas se não fossem as doações dos amigos, inclusive depois, os amigos quiseram adquirir também o disco, simplesmente não ia ser possível porque para gravar um disco é no mínimo R$15 mil", detalha Alan que agora tem outro desafio: fazer o público ouvir.
Após lançar "A voz e o Verso", ele fez vários shows, deu muitas entrevistas em rádios e TV, leva os discos para vender em feiras de vinis e outros eventos em que participa como DJ e ainda fez campanha na black friday. Ainda assim, por mais que o mercado do vinil tenha crescido em Fortaleza e atraído a juventude, a música cearense independente ainda não consegue surfar nessa onda e acaba perdendo espaço para estrelas famosas e modismos passageiros. "Por que que eu vou ouvir, me debruçar para conhecer o disco do Alan Morais se eu estou aqui podendo comprar o disco da Maria Bethânia, do Caetano, um internacional, daquela banda de rock, da Liniker, enfim?", questiona ele. "Você tem que querer vender aquilo porque quase ninguém conhece. Diferente daquela banda que tem uma gravadora, uma banda que já fez muito sucesso, que já está aí. É isso que é difícil na música: se fazer interessante e fazer com que as pessoas tenham curiosidade de conhecer o seu trabalho", completa.
Bom, curiosidade não é o forte no mercado da música cearense. Para grande parte do público, é melhor a certeza da obviedade que o grande mercado propaga a muitos ventos do que apostar no novo, no desconhecido, no que intriga, exige atenção e reflexão. "A voz e o verso" é um pouco disso tudo: um disco novo, de compositores (quase) desconhecidos, mas que buscaram uma obra intrigante, rica em detalhes sonoros e personalidade artística. E o resultado são canções para serem ouvidas com atenção, para gerarem as devidas reflexões.
Notas musicais
Erasmo Carlos
Dois anos depois da morte do nosso roqueiro seminal, "Erasmo Esteves" revela canções inacabadas do Tremendão. Do samba-rock à balada, o disco conta com convidados como Jota.pê, Gaby Amarantos, Chico Chico, Teago Oliveira e outras estrelas em ascensão. O destaque fica para Tim Bernardes em "Minha bonita primavera".
Jota.pê
Ex-The Voice, o cantor de Osasco chama atenção pelo timbre macio e de boa extensão. Seu disco de estreia, "Se o meu peito fosse o mundo" ganhou nas três categorias em que concorria no Grammy Latino - incluindo Melhor Álbum de Música Popular/ Música Afro-Portuguesa Brasileira. Ainda em busca de rumo, ele vai da balada soul ao xote. Mas já mostra que tem bom gosto e potencial para ir longe.
Ana Frango Elétrico
O nome não ajuda, mas 2024 foi generoso para Ana Frango Elétrico. Na produção, compondo, cantando, fazendo show, Ana Faria Fainguelernt (ou Frango Elétrico) conquistou o público mais antenado com uma mistura de pop, jazz, bom humor, non sense e muita criatividade. Seu disco "Me chama de gato que eu sou sua" cresce a cada nova audição.
Martnália
No conflito entre a sofisticação de que é capaz e sucesso de massa exigido pelo mercado, Mart'nália pegou 12 clássicos pagodeiros dos anos 1990 e regravou no seu mais recente disco. Os arranjos do pianista Luiz Otávio buscam novos caminhos para canções dos grupos Só Pra Contrariar, Molejo, Soweto e outros. Contando ainda com convidados como Caetano Veloso e Luisa Sonsa, o disco é uma brincadeira divertida, mas Mart'nália pode bem mais que isso.
Tulipa Ruiz
De forma meio silenciosa, Tulipa Ruiz lançou seu sexto disco a partir de um projeto colaborativo com Rica Amabis, Gustavo Ruiz e Alexandre Orion. Criado a partir de colagens de loops, samples, programações e sons orgânicos - incluindo a participação de João Donato. É o disco menos solar e mais urbano da paulistana, mas isso não tira a qualidade do resultado.
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