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Trilha de 'Ainda Estou aqui' revela histórias de um Brasil censurado
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Trilha de 'Ainda Estou aqui' revela histórias de um Brasil censurado

Trilha de "Ainda estou aqui" faz passeio por uma época em que misturar é que era o grande barato
Cena do filme 'Ainda Estou Aqui' (Foto: Divulgação/sony pictures)
Foto: Divulgação/sony pictures Cena do filme 'Ainda Estou Aqui'

Desde que chegou aos cinemas e se anunciou um sucesso, muita gente já tirou uma lasquinha de "Ainda estou aqui". Eu ainda não havia feito isso. Ainda, mas começo já na próxima frase. O drama de Walter Salles com a gigantesca Fernanda Torres no papel principal chegou embalado numa trilha que valoriza, em primeiro lugar, os sons da época em que se passa o filme, os anos 1970. Era tempo de ditadura no Brasil e o que muitos compositores fizeram foi driblar a censura e dar um jeito de liberar suas músicas.

Por exemplo, "Take me back to Piauí" parece uma grande homenagem ao estado brasileiro. Talvez até seja, mas Juca Chaves, que compôs, cantou e gravou num compacto esse samba rock meio debochado queria mesmo era fazer chacota com o fato de muita gente precisar fugir do Brasil para sobreviver aos anos de chumbo. Como humorista, era fez isso com piada ("Simonal que estava certo, na razão do patropi/ Eu também que sou esperto vou viver no Piauí", sacaneia o menestrel citando o artista "cancelado publicamente" por se envolver com os militares).

"Ainda estou aqui" traz um Tom Zé, safra 1970, cantando "Jimmy Renda-se". Por que o baiano parece telegrafar a letra, misturando sílabas sem tanto sentido? Estaria lembrando as mensagens cifradas em jornais, músicas e poesias? Mais explícito foi Roberto Carlos nas duas que entraram no filme. "Como dois e dois", composta por um Caetano Veloso exilado, fala sobre a força do cantar e o drama do calar. Já "As curvas da estrada de Santos" é um power blues desesperado sobre a paixão por carrões.

Amor por carros, mulheres e farra era comum na jovem guarda. Roberto fala aqui, mas com um peso diferente daquela adolescência irresponsável. Quem também agora se preocupava com família, filhos e obrigações da maturidade era Erasmo Carlos, que teve sua - e de Roberto - "É preciso dar um jeito meu amigo" resgatada lá do clássico "Carlos, Erasmo" (1971). Esse álbum marca uma virada de chave no Tremendão, que agora se aproximava do som dos festivais, da intelectualidade cultural e dos tropicalistas. Tanto que três músicos dos Mutantes participam da faixa. Quem empresta seu peso a esse blues dos "irmãos camaradas" é Lanny Gordin, guitarrista chinês que veio pequeno para o Brasil e aqui tocou com todas as estrelas tropicalistas.

Além das fronteiras, também tem um time internacional na trilha de "Ainda estou aqui". O cometa Donny Hathaway (1945-1979) comparece com "The Guetto", seu sucesso de estreia, lançado em 1970. Puro funk jazz cheio de improvisos e suingue. Saltando para 1995, o filme traz "Petit pays", na voz divina de Cesária Évora (1941-2011). A voz maior de Cabo Verde joga sua mansidão sobre a faixa que fala sobre a saudade da terra natal. O mesmo sobre "Fora de Ordem", lançada por Caetano Veloso em 1991 no disco "Circuladô". Os tempos já outros no Brasil, embora ainda tivéssemos que engolir Collor de Mello como o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois de mais de 20 anos de ditadura.

O filme segue com "Agoniza mas não morre", bandeira do sambista Nelson Sargento que fala indiretamente sobre a resistência cultural do povo negro; "Acauã", de Luiz Gonzaga, na voz cristalina de Gal Costa; e a erótica "Je T'aime Moi Non Plus", do canalha francês Serge Gainsbourg com sua esposa Jane Birkin. Para quem viveu a época, lembra o escândalo - e consequente sucesso - de ouvir os dois sussurrando juras de amor quente nas rádios que não foram censuradas. Mas o mundo era outro e o que essas músicas representam para a época é a coragem de enfrentar um aparato ultrapassado para deixar a arte viver sua história. Nada daquilo precisa voltar e desconfie de
pensa o contrário.

Tiago Porto, professor e percussionista do Luxo da Aldeia
Tiago Porto, professor e percussionista do Luxo da Aldeia

A lista de Tiago Porto

Muitos Carnavais - Caetano Veloso

Talvez tenha sido uma das minhas primeiras vivências com a música carnavalesca, ainda criança, em Aracati. Lembro bem de ouvir "Atrás do Trio Elétrico" e imaginar que o Carnaval era exatamente aquilo: multidões seguindo o som vibrante dos trios.

Negra - Banda Mel

Foi a descoberta do próprio Carnaval, já numa fase de pré-adolescência. Esse disco me apresentou ao samba reggae e me fez perceber como a música de Carnaval podia ir além da festa, trazendo letras que falam de identidade, resistência e questões sociais.

Cada Cabeça é um Mundo - Timbalada

Me marcou desde a capa, vibrante e cheia de personalidade. A sonoridade sempre foi única, trazendo percussão poderosa e melodias que grudam na cabeça.

Quando Fevereiro Chegar - Vários

Fausto Nilo é um dos artistas mais generosos que tive a honra de conhecer, aprender e tocar. Suas composições são verdadeiros poemas musicados e fazem parte do repertório do Luxo da Aldeia.

Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira - Moraes Moreira

Esse disco é a síntese da vivência do Carnaval, seja pelas composições, seja pelos arranjos que, ainda hoje, fazem parte do imaginário dos foliões. E uma curiosidade especial: o Luxo da Aldeia já teve o privilégio de tocar com Moraes Moreira. Duas vezes!

Roberta Campos faz show em Fortaleza
Roberta Campos faz show em Fortaleza

Notas Musicais

Disco Novo

Roberta Campos está com show agendado para Fortaleza ainda neste semestre. A apresentação, que acontece no Teatro RioMar Fortaleza, reúne canções dos 17 anos de carreira da cantora mineira, incluindo seu mais recente disco, "Coisas de Viver".

Engenheiros

A Universal Music anunciou o disco "Tchau Radar", dos Engenheiros do Hawaii em vinil (duplo) pela primeira vez. O disco rendeu dois grandes hits - "Eu que não amo você" e "Negro amor" - e uma mega turnê nacional que veio muito a Fortaleza.

Filhos do Blues

O super guitarrista Caike Falcão toca hoje, 2, às 16h30min, na programação do Festival de Jazz & Blues de Guaramiranga. O show celebra os "heróis da guitarra", segundo o cearense. Em seguida, o show é de Claudette King, filha de BB king. Tudo gratuito.

Foto do Marcos Sampaio

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