Cinebiografia traça retrato sincero e impactante de Ney Matogrosso
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: divulgação
Jesuíta Barbosa encarna a persona libertária de Ney Matogrosso na cinebiografia 'Homem com H'
Tentar resumir uma vida de mais de 80 anos num filme de 2 horas já é algo desafiador. Se essa vida for a de Ney Matogrosso, os riscos são maiores ainda. Ator que virou cantor (sem nunca deixar de atuar no palco), dono de uma rara voz aguda e de um rebolado tão provocador quanto tantas atitudes que ele tomou desde que saiu do município de Bela Vista, Mato Grosso do Sul, para fugir da rigidez paterna e descobrir o mundo. Tem ainda o fato de ter estourado como vocalista de uma banda que vendeu milhões de cópias e depois deixado esse projeto de lado em nome de mais liberdade artística. Some a isso a homossexualidade nunca escondida - apesar da vida discreta fora dos palcos - em meio a uma explosão de casos de Aids pelo mundo.
Abordar esse personagem tão plural em um filme é arriscado: tudo pode virar um trabalho excessivamente elogioso, cercado de clichês vazios, ou uma colcha de pequenos retalhos costurados apressadamente e sem muita conexão entre si. "Homem com H", de Esmir Filho, que estreou em 1º de maio nos cinemas, pula essas duas fogueiras e é, ao mesmo tempo, elogioso e visceral.
Confira o trailer de "Homem com H":
O papel principal coube a Jesuíta Barbosa, que já impressionou no papel de Ney desde que saiu o primeiro trailer. O corpo magro, o olhar desafiador, os gestos felinos, tudo remete ao intérprete de "Sangue Latino", que, a propósito, acompanhou tudo com atenção aguda. Desde o roteiro (lido 13 vezes) até uma breve participação nas cenas finais, tudo passou pela avaliação e aprovação de Ney, que afirma e reafirma que tudo que está em cena "é verdade". Além do protagonista, o filme conta com Hermila Guedes (Beíta, mãe de Ney), Rômulo Braga (Antônio, o pai), Bruno Montaleone (Marco de Maria, ex-marido), Mauro Soares (João Ricardo) e Julio Reis (Cazuza).
"Homem com H" começa com a difícil relação familiar de Ney com o pai, um militar que "queria que o filho fosse homem", e a decisão de sair de casa e buscar uma vida independente. O primeiro emprego, curiosamente, foi servindo na Aeronáutica. Depois vem uma vida nômade que passa por experiências como enfermeiro e artesão, cantor de coral, ator, Secos&Molhados, fama, sucesso, ditadura e repressão. Nessa estrada, ele conhece gente como Luli, As Frenéticas, Gonzaguinha, Raphael Rabello e tantos que são retratados no filme, uns melhores que outros.
Mesmo que filme nenhum conseguisse dar conta de uma trajetória tão particular quanto a de Ney Matogrosso, "Homem com H" merece aplausos por focar no que o personagem tem de mais importante: a capacidade de superar desafios e provocar reações. Com uma fotografia impactante e um cuidado em ser fiel aos fatos, o filme junta ousadas cenas de sexo com algumas das mais belas canções da história - todas na própria voz do biografado. Assim como Ney soube trabalhar o exagero (de cores, plumas, brilhos, movimentos), o filme não deixa nada sobrar e faz um retrato honesto de um artista raro, corajoso, múltiplo e impossível de passar despercebido.
Múltiplos olhares
Biografia
Julio Maria mergulha na vida de Ney e constrói um perfil corajoso que só engradece o biografado.
Documentário
"Ney à Flor da Pele" (2020), de Felipe Nepomuceno, foca na personalidade criada por Ney para os palcos. Da sexualidade latente à classe e o cuidado com a essência da música, o filme vai mostrando que a provocação é uma consequência de uma fadada à liberdade.
Fotografia
"Ousar ser" (2002) reúne fotografias de Luiz Fernando Borges da Fonseca, um ensaio de Bené Fonteles e uma entrevista falando dos limites entre arte vida real. A relação com o mato, os bichos, a natureza é revelada em imagens impactantes.
Um show
Escolher um entre tantos shows de Ney difícil. Mas vale conferir sua participação no Festival de Jazz de Montreux em 1983. Pelos motivos indígenas, talvez ele revisse o figurino. Mas a performance, mais uma vez, é incendiária. No youtube: bit.ly/4m53VK2
Múltiplas transformações
1973 - Disco de estreia dos Secos&Molhados apresenta a figura intensa e irrefreável de Ney Matogrosso. Sua persona artística causa tensões no grupo.
1975 - Estreia solo com "Água de Céu-Pássaro", que reforça as ideias dos Secos indo da doce "Pedra de Rio" à lasciva "Açúcar Candy".
1979 - Sem maquiagem, sem plumas ou chifres, apenas uma camiseta branca e uma calça jeans. "Seu tipo" é menos performance e mais MPB.
1986 - Conectado à cena pop/rock dos anos 1980, ele canta Cazuza e assina duas raras composições - em parceria com Leoni e outra com o RPM.
1987 - O show "Pescador de Pérolas" abre uma série de trabalhos camerísticos, voltados para a voz e a memória da MPB. A ele, seguem um disco dividido com o violonista Raphael Rabello e songbooks dedicados às obras de Ângela Maria, Chico Buarque, Tom Jobim e Heitor Villa-Lobos.
1998 - Retorno à veia pop com um repertório que mistura Lenine, Lula Queiroga, Pedro Luis, Samuel Rosa e inéditas de Rita Lee e Cazuza.
2006 - Depois de uma excelente parceria com Pedro Luis e a Parede, ele volta ao clássico em "Canto em qualquer canto", cercado só de violões e guitarras.
2008 - "Inclassificáveis" é um disco pop roqueiro performático, que antecede o clássico e elegante "Beijo Bandido" (2009). Assim, intercalando personas, ele lançou "Atento aos Sinais" (2013), "Bloco na rua" (2019) e "Nu como minha música" (2021).
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