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As armadilhas que cercam um julgamento
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Editorial opinião

As armadilhas que cercam um julgamento

Trata-se de um processo de dupla face: uma jurídica e outra política. Eis o desafio do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal (STF) caminha sobre o fio da navalha no julgamento de Jair Bolsonaro (PL), não porque tenham lhe faltado razões (havia de sobra) para aceitar a denúncia da PGR contra o ex-presidente, mas porque se trata de processo de dupla face: uma jurídica e outra política.

Na jurídica, não custa repisar a cartilha, impõe-se assegurar o cumprimento estrito e rigoroso do que prevê a lei, observando-se amplo direito de defesa aos réus por cinco tipos criminais, um dos quais tentativa violenta de abolição do estado democrático de direito.

Já na política, o desafio é calibrar decisões e evitar excessos ou demonstrações inoportunas de entusiasmo, que conduzem quase sempre a uma performatividade retórica dos magistrados incompatível com a toga e dispensável no Judiciário de modo geral, especialmente neste momento, pela natureza mais sensível do material sob análise e das personagens implicadas, direta ou indiretamente.

Satisfeitas essas condições, convém não perder de vista o que disse Luiz Fux (debaixo do manto do juiz também "bate um coração"). Não para concordar com o ministro, evidentemente, mas para rejeitar esse apelo mal-disfarçado e fora de hora para que seus colegas de corte levem em conta "aspectos humanos" quando da sentença aplicada aos denunciados pelos atos golpistas do 8 de janeiro de 2023, sobretudo em relação à dosimetria (cálculo das punições).

Como se sabe, esse tema caiu de paraquedas no julgamento de Bolsonaro na esteira de uma falsa comoção em torno do caso da cabeleireira Débora Rodrigues, presa preventivamente havia mais de um ano. Dois primeiros a votar nesse inquérito, Alexandre de Moraes e Flávio Dino estipularam pena de 14 anos de prisão para a mulher (o processo ainda está em curso, tendo sido interrompido por pedido de vista de um pesaroso Fux).

Parte por força dos bolsonaristas nas redes sociais, parte por inabilidade do STF, rapidamente se alastrou a tese segundo a qual a sanção era não apenas exagerada, mas arbitrária, e Débora era na verdade "uma mártir" da causa pela liberdade. Esse enredo não teria se ramificado sem a ajuda preciosa das manchetes de jornais nas quais a mulher passou a figurar como aquela prestes a ser condenada a 14 anos de prisão por ter pichado uma estátua com batom.

Disso se extrai uma lição: nada mais arriscado (jurídica e politicamente) do que uma redução do que houve naquele 8/1 a uma série de ações individuais de vandalismo movidas só por paixão, sem conexão entre si nem coincidência de planos ou ligações com os laboratórios antidemocráticos instalados em frente aos quartéis por todo o país, principalmente em Brasília.

É desse tipo de armadilhas que a Primeira Turma do Supremo tem de se desvencilhar a partir de agora. Isto é, tanto fugir de qualquer voluntarismo na forma de declarações enviesadas de seus ministros quanto se proteger contra a pressão de versões fabricadas por quem escreveu de próprio punho o roteiro da tentativa de golpe.

 

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