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A Presidente Vargas de 1984 a 2019

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Elio Gaspari
Jornalista (Foto: Marcos Alves/Agência O Globo)
Foto: Marcos Alves/Agência O Globo Elio Gaspari Jornalista

A avenida foi a mesma. Em abril de 1984 ali aconteceu o grande comício das Diretas. Noticiou-se que a multidão passava do milhão de pessoas. Nem chegava a isso, mas deixa pra lá. A festa durou cerca de sete horas, sem um só incidente. No domingo, mais de um milhão de cariocas festejaram o Flamengo. A festa terminou com uma pancadaria e 23 feridos nas proximidades do monumento ao Zumbi de Palmares.

Não se sabe como começou a confusão, mas é elementar que a Polícia Militar não precisava ameaçar o povo com fuzis ou apontando-lhe revólveres. A primeira bomba de gás contra uma multidão parada pode ter sido um exagero. As demais, truculência, sobretudo sabendo-se que na festa havia crianças. O veículo da Guarda Municipal também não precisava dar marcha a ré em alta velocidade numa pista livre. Acabou atropelando um guarda. Assim como Gabigol fez a alegria dos brasileiros com dois gols em três minutos num final de jogo, a PM do Rio manchou a celebração no fim da festa.

O medo faz mal à alma. O povo não deve ter medo da polícia, nem a polícia deve ter medo do povo. Em 2013, quando o Papa Francisco chegou ao Rio, estava protegido por um dispositivo teatral, com soldados e até cães farejadores. Na Presidente Vargas o carro do Papa ficou preso no trânsito, e centenas de pessoas cercaram-no, assustando muita gente que via a cena pela televisão. Só Francisco não se assustou e manteve o vidro aberto. Os agentes da Polícia Federal que escoltavam o veículo a pé mantiveram a calma, sem agredir ninguém. Também não se assustaram as pessoas que queriam vê-lo, pois não é todo dia que há um Papa na Presidente Vargas.

O Rio é governado por um bufão que estimula a violência policial na construção de sua própria teatralidade. No gramado do estádio de Lima, ajoelhou-se diante de Gabigol, recebendo um olhar seco, digno dos melhores monarcas da Casa de Windsor.

No dia seguinte à pancadaria do fim da festa do Flamengo, o repórter Rafael Soares revelou o áudio de um PM que revelou sua contrariedade diante de um episódio no qual um sargento matou a tiros dois jovens que estavam numa motocicleta. O caso aconteceu em 2015, soldados da patrulha haviam dito ao sargento para não atirar, mas "ele estava trabalhando com ódio, ficava falando que ia matar, matar". O sargento matou porque achou que a furadeira carregada por um dos jovens era uma arma. Já houve casos em que um cidadão foi morto porque carregava um guarda-chuva e outro, uma esquadria de alumínio. O PM que matou o homem do guarda-chuva foi absolvido e o outro caso ainda está sendo investigado. O sargento que ficava falando em matar ainda não foi julgado.

Na tarde de domingo, depois da confusão da Presidente Vargas, uma mulher se referiu aos PMs como "esses milicianos". É verdade que o pessoal das milícias está em alta, mas nenhuma cidade terá segurança se a sua polícia se comportar de forma a permitir tamanha confusão.

A PM é uma corporação militar que deve trabalhar com normas profissionais e, sobretudo, de forma disciplinada, cumprindo protocolos. O que aconteceu na Presidente Vargas não seguiu protocolo algum. Quanto à disciplina, quem sabe?

Em março do ano passado, durante a intervenção do Exército na segurança do Rio, um general foi inspecionar o quartel do 18º Batalhão da PM do Rio, viu-se diante de uma tropa formada por 20 homens. À voz do comando, alguns deles não lhe deram continência. Foi preciso que o coronel repetisse: "Todo mundo". Só então foi obedecido. 

 

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