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Maior parte da Amazônia é floresta de terra firme e várzeas inundáveis são vulneráveis a incêndios
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Maior parte da Amazônia é floresta de terra firme e várzeas inundáveis são vulneráveis a incêndios

Não procede o que disse o presidente, que o fogo não se propaga na Amazônia devido à umidade. Estudo de 2017 mostra que, em períodos de seca, as áreas alagadas são mais vulneráveis e demoram mais a se recuperar das queimadas
Tipo Opinião
 Área de floresta inundada na região do rio Juma, no Amazonas (Foto: ÉRICO FIRMO)
Foto: ÉRICO FIRMO  Área de floresta inundada na região do rio Juma, no Amazonas

No discurso do presidente Jair Bolsonaro nas Nações Unidas, nesta terça-feira, 22 de setembro, uma das partes mais complicadas diz respeito à Floresta Amazônica. Não é muito diferente do que ele fala por aqui, mas quando ganha alcance mundial num foro da ONU a situação se torna mais constrangedora. Bolsonaro disse que as queimadas são causadas por índios e caboclos, em áreas já desmatadas. Ir até a ONU fazer acusação de que quem destrói a floresta são os povos originários é uma violência, um desrespeito, uma afronta.

Bolsonaro também disse que o Brasil respeita “a melhor legislação ambiental do planeta”. Tão boa que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, quer desregulamentar “de baciada” e “passar a boiada”.

Mas, o que quero chamar atenção é para outra coisa que ele disse, e vem dizendo. “Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior”. Um disparate. A Amazônia, grosso modo, é composta de dois grandes ecossistemas. Há as áreas inundáveis, sim. Os locais as chamam de várzeas e igapós. E há, também, as florestas de terra firme. A área inundável é estimada em aproximadamente 27% da Amazônia. Cerca de 70% é de terra firme. Floresta úmida, mas não é inundada, tampouco invulnerável a incêndio. (Confira nos links os estudos de referência das informações)

Duas faces da mesma floresta:

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Tive a oportunidade de visitar áreas tanto de floresta inundada quanto de terra firme. O presidente deve tê-las visitado muito mais que eu. Nas áreas de várzeas e igapós, o acesso é de barco. As árvores se erguem de dentro d’água. Mas, há as terras firmes. Inclusive, dentro de Manaus. Na cidade às margens do Rio Negro, fica o Museu da Amazônia, o Musa, que ocupa 100 hectares de floresta de terra firme e nativa.

Quer dizer que a terra firme é vulnerável a incêndios e a área inundada se comporta como diz Bolsonaro? Nela o fogo não se propaga?

Não é o que indica estudo internacional, liderado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e publicado em 2017 na revista científica PNAS. Com base em dados de satélites e pesquisa de campo, os pesquisadores mostraram que as áreas inundáveis de várzea são mais vulneráveis a incêndios nas épocas de pouca chuva. Imaginava-se que as zonas mais distantes do centro da Amazônia eram mais suscetíveis, mas os pesquisadores descobriram outra coisa. Quando chove pouco, as zonas que normalmente alagam ficam mais expostas e demoram mais a se recuperar das queimadas. Os estudiosos avaliaram a regeneração após o impacto do fogo na estrutura da floresta e na fertilidade do solo.

Ou seja: nem toda a floresta é inundada. E mesmo a parte alagada é vulnerável a incêndios.

Na semana passada, o avião em que Bolsonaro estava teve de arremeter por causa de incêndios no Pantanal - que é a maior planície contínua inundável do planeta. Incrível que a incapacidade de ligar duas ideias não permita constatar que ali está a evidência de que áreas úmidas pegam fogo, sim, e muito.

Bolsonaro abriu o discurso afirmando: “O mundo necessita da verdade para superar seus desafios”.

Foto do Érico Firmo

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