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Por que a receita que já funcionou para Lula não dá certo agora
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Por que a receita que já funcionou para Lula não dá certo agora

Lula, o governo e o PT enfrentam um desafio que é interpretar um Brasil muito diferente de 20 anos atrás e oferecer soluções para os problemas e desafios de hoje
Tipo Opinião
LULA tem desafio de interpretar um Brasil muito diferente (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES LULA tem desafio de interpretar um Brasil muito diferente

Lula (PT) terminou o segundo mandato presidencial com popularidade recorde, a despeito do escândalo do mensalão. Na eleição de 2010, nem a oposição criticava as políticas governamentais. A explicação passava pela conjunção de bons resultados na economia — com reflexo na microeconomia, diretamente no bolso da população — e inclusão social e redução da pobreza. Existe uma máxima, válida não só para o Brasil, sobre o impacto dos resultados no bolso para a avaliação de um governo. Hoje, os indicadores econômicos têm surpreendido positivamente. O desemprego, considerada a sazonalidade, está em queda. A inflação está controlada e o PIB tem projeções revisadas para cima. Apesar disso, a popularidade do presidente e da administração tem tido problemas.

Uma primeira consideração necessária é que a aprovação segue superior à desaprovação. Em três pesquisas divulgadas no último mês, ficou entre 50% e 51%. No cenário polarizado, a desaprovação também é alta, entre 44% e 47%. O desempenho é melhor do que Jair Bolsonaro (PL) tinha a esta altura do mandato — nos primeiros meses de pandemia — e muito melhor do que o ex-presidente terminou o mandato. Mas, não é situação confortável. Houve sinais de deterioração da popularidade, que chegou ao pior momento, até aqui, em março. Os sinais posteriores são de relativa recuperação, ou ao menos estabilização.

Mas, por que o desempenho econômico não consegue impulsionar a popularidade de Lula como antes? Ao contrário, as pesquisas mostram percepção de piora da economia. Um aspecto é que a população não sente tanto, por enquanto, os efeitos dos bons indicadores. Em particular, nos preços nos supermercados. O problema não vem de agora e já era assim com Bolsonaro. No último ano, perto das eleições, a situação até melhorou, mas chegou a estar bem complicada. O ponto é que Lula, em campanha, bateu muito isso e prometeu melhora. A conversa da picanha e cervejinha. O eleitor espera até agora.

Há um cenário político muito mais adverso, também. O bolsonarismo, o acirramento, e resposta por vezes virulenta da parte dos governistas, não contribuem para a imagem do governo. A capacidade de comunicação do presidente, quase sempre um trunfo, causou problemas com declarações mal recebidas, como sobre Israel ou quando disse que a escravidão, embora terrível, teve como lado positivo a miscigenação.

Para além de fatores isolados, Lula, o governo e o PT enfrentam um desafio que é interpretar um Brasil muito diferente de 20 anos atrás e oferecer soluções para os problemas e desafios de hoje.

Entender o Brasil de hoje

Vinte anos atrás, estagiário da revista Fale, do professor Luís-Sérgio Santos, entrevistei Ozeas Duarte. Ele foi fundador e destacado dirigente nacional do PT. Antes, foi militante do PCdoB. Ele tinha uma explicação para a transformação introduzida por Lula e pelo PT na década de 1970, e para os antigos partidos clandestinas terem perdido a hegemonia na esquerda.

Ozeas entendia o Brasil do século XXI como produto da revolução populacional na qual, no intervalo de algumas décadas, a proporção entre população urbana e rural se inverteu. A emigração nordestina foi o motor dessa transformação. As pessoas chegavam aos centros urbanos e nem tinham moradia, saúde, educação, nada. “E o Brasil é produto disso”, ele salientou.

Onde entra a esquerda? “Quando a classe operária se ergueu, lá em São Paulo, nos anos 1970, não tinha nenhum comunista. Não tinha um comunista dentro dos paus de arara". Ozeas era um daqueles ausentes. “Os comunistas não se preocuparam com isso. Os intelectuais de esquerda não se preocuparam. Quando o Lula ascendeu naquele movimento operário no ABC, foi um raio no céu azul para a direita e para a esquerda”.

As disputas de poder no dia a dia, o esvaziamento das formulações teóricas, às vezes faz esquecer que o fazer político, numa democracia, parte da interpretação da realidade. E, por várias questões, há muitos sinais de que a interpretação petista do Brasil está envelhecida. Os principais formuladores ou já não estão na ativa ou foram para dentro dos governos. Alguns dos que seguem no trabalho teórico oferecem algumas leituras que parecem ou arraigadas em antigas convicções ou alicerçadas naquilo que querem acreditar.

Há novas dinâmicas na sociedade de hoje. A classe média urbana das décadas de 1980 e 1990, que foi a base do PT, deu lugar gradualmente a uma geração com novas cabeças, práticas, demandas e problemas. Os aplicativos de transporte e entregas trazem situação de precariedade, mas são o meio de vida e a porta de entrada no trabalho para muita gente. Um público de concepções econômicas liberais e, em maioria, tendências políticas conservadoras. Os petistas fazem crítica ao modelo, mas não convergem com os anseios de muitos dos motoristas. Recente proposta articulada pelo governo Lula foi muito mal recebida por eles.

Os trabalhadores por aplicativos são uma das muitas novas realidades não abarcadas pela concepção que deu origem ao PT.

Pausa

Darei umas semaninhas de folga ao leitor, durante um período de férias.

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