Se Bolsonaro fazia isso achando estar sendo gravado, imagine às escondidas
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
BOLSONARO e o filho senador, Flávio
“A gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa”, disse Jair Bolsonaro (PL) na reunião que estava sendo gravada pelo ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL). O encontro tratava da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso da “rachadinha”. O que está ali colocado confirma as suspeitas de que o governo operou para proteger o filho do presidente.
Na sequência da fala, Bolsonaro diz: "Não estamos procurando favorecimento de ninguém". Ora, era exatamente isso. A própria reunião já foi um favorecimento. Bolsonaro ali não era pai, era presidente. Estava com o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, e com o diretor-geral da Abin, tratando com as advogadas do pimpolho sobre acionar outros órgãos e agentes do governo para ajudá-lo na investigação de que é alvo.
É tratado explicitamente do acionamento de estruturas do Estado brasileiro em prol da defesa do Zero Um. É dito com todas as letras que o objetivo era usar o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) para produzir prova a favor do filho presidencial.
As advogadas, Juliana Bierrenbach e Luciana Pires, afirmam, na conversa, que relatório de inteligência financeira (RIF) da Receita Federal, que apontou as movimentações atípicas de Flávio, foi produzido ilegalmente. Elas chamam de RIF "simulado". As advogadas relatam que o RIF pode ser espontâneo, seja por iniciativa do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ou por denúncia anônima, ou encomendado pelo Ministério Público. Declaradamente, o RIF sobre Flávio foi espontâneo.
Mas, a defesa queria provar que não. O objetivo era mostrar que os dados do senador já haviam sido acessados na Receita antes da verificação formal. A partir do que já teria sido visto, eles abriram o RIF. "A minha tese é que eles fizeram a encomenda disso tudo", diz Juliana na conversa. Ela fala de senhas que torna o acesso indetectável.
"Se a gente conseguir provar que eles fizeram toda essa apuração, e só depois eles criaram com esse RIF espontâneo. E por meio dessas senhas invisíveis, a gente consegue a nulidade do RIF. A gente consegue anular tudo", fala a advogada.
Segundo elas, seria um método usado com outras pessoas também. "Eu não tenho prova de que foi feito isso com o Flávio", diz Juliana. "A gente quer essa prova", completa Luciana. Juliana conclui: "Qual é a prova possível de ser produzida? O Serpro, ele produz".
Ela ainda detalha: "O Serpro consegue levantar todos os acessos que foram feitos antes do início da investigação". Esse pedido era o objetivo da reunião.
Cuidado de não beneficiar só Flávio
A advogada afirma que não apenas o caso de Flávio seria anulado, mas também o de outros atingidos pelo suposto esquema na Receita. "A partir do momento que a gente tem essa apuração, uma dessas aqui do Flávio, a gente consegue pedir a nulidade disso tudo. E a gente não consegue pedir só a nulidade do caso do Flávio, porque a grande questão é quando falar o seguinte: 'Ah, que o presidente da República está querendo se utilizar da estrutura da Presidência para defender o filho', só que esse caso aqui, isso que a gente descobriu pode beneficiar, de uma forma ou de outra, todas as pessoas que foram atacadas".
Não foram seguidos trâmites convencionais. General Heleno indagou quando essa apuração foi pedida ao Serpro. A advogada respondeu que estava apresentando ali, na reunião com presidente e ministro. "Não estou pedindo, estou trazendo hoje", afirmou Juliana. Ela ainda falou como o encaminhamento poderia ser feito sem envolver o Gabinete de Segurança Institucional. "Qual seria a outra opção que a gente poderia fazer sem ser através do GSI? Eu entrar com uma representação no Supremo".
Bolsonaro age para resolver
Calado na maior parte da reunião, Bolsonaro fala após muito ouvir: "Ninguém tá pedindo favor aqui [inaudível]. É o caso de conversar com o chefe da Receita. O Tostes". Trata-se de José Tostes Neto, então secretário especial da Receita. Ele recebeu as advogadas no dia seguinte à reunião. A Receita se manifestou dizendo não ser incomum receber em audiência pessoas quem tenham assuntos a tratar com o órgão. Mas, ligeiro assim? E o caminho para viabilizar a audiência tampouco parece ortodoxo.
Sobre as conversas a serem encaminhadas, Heleno avisa: "Tentar alertar ele que, ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar gente de confiança dele. Se vazar [inaudível]". Bolsonaro concorda e faz a ressalva citada acima, para o caso de estar sendo gravado.
Pouco depois, com pressa para concluir a reunião, Bolsonaro demonstra disposição resolutiva: "A quem interessa pra gente resolver esse assunto?" Ele diz ainda: "O que acontece? O que acontece? Ninguém gosta de tráfico de influência. A gente quer fazer [inaudível]".
E acrescenta: "Nenhuma pessoa aqui fez qualquer conversa pra 'vamo dar um jeitinho'. Nada, nada, nada". Imagina.
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