Como a cidade com fama de progressista quase elegeu bolsonarista
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Costuma-se dizer que Fortaleza é uma cidade progressista. Há de se discutir essa máxima. Existem bons argumentos. Vem desde Acrísio Moreira da Rocha, eleito em 1947 pelo pequeno Partido Republicano (PR), com apoio dos comunistas, havia pouco colocados na clandestinidade.
Foi a primeira capital a eleger prefeito do PT no Brasil — prefeita, no caso, Maria Luiza Fontenele — e isso já se repetiu mais três vezes, duas com Luizianne Lins e agora Evandro Leitão. Já derrotou o PT e a esquerda outras vezes. Teve um longo ciclo populista à direita com Juraci Magalhães.
Fortaleza não é uma cidade petista, e o dividido cenário eleitoral do domingo passado mostra isso. Mas, é inegável que há um amplo setor progressista, de centro-esquerda. Que tem resistência a conservadores, vide as seguidas derrotas de Moroni Torgan e Capitão Wagner. André Fernandes (PL) foi bem-sucedido em algo que Wagner muito tentou: moderar a imagem e ampliar o eleitorado. Entender como uma cidade com fama de progressista quase elegeu um bolsonarista radical — ao menos até poucos meses antes da eleição — é algo ainda a ser interpretado.
Natureza do voto contestador de Fortaleza
Há um voto conservador em Fortaleza, mas ele nem sempre é majoritário. Em 2020, ficou em 17% com Luizianne. Em 2016, também com ela, 15%. Em ambas as eleições, o Psol ficou na casa de 1% a 2,6%.
Em 2008, com a mesma candidata, concorrendo à reeleição, passou de 50% pela única vez até hoje em um 1º turno. Mas tinha também a força das máquinas municipal, estadual e federal unidas.
Sozinho, o voto de esquerda talvez nunca tenha sido maioria em Fortaleza. Em 2004, no 1º turno, Luizianne e Inácio Arruda (PCdoB) dividiram a esquerda, que ainda tinha Heitor Ferrer. Somados, no 1º turno eles tiveram 45%.
Em 2000, Inácio fechou o 1º turno com 30%. Quatro anos antes, teve 18%. Em 1992, pior momento da esquerda numa eleição em Fortaleza, o candidato do PT foi Fernando Branquinho, que ficou na casa dos 4%.
O voto de esquerda raiz eu diria estar nas proximidades dos 20% obtidos em 1996, 2016 e 2020. Passou disso ao conseguir ampliar alianças, discursos e potenciais. Maria Luiza, vale destacar, foi eleita antes de haver 2º turno, com 34% — um terço do eleitorado.
Ao longo da década de 1990, o voto progressista foi para o grupo de Juraci. O foco ali era derrotar o grupo do Cambeba, liderado por Tasso Jereissati (PSDB), no Governo do Estado. Juraci estava à direita de Tasso, mas representava o contraponto. Trata-se de um eleitor que, ideologicamente, parece ter mais ressalvas que paixões.
Embora tenha um nível até aguçado de pragmatismo, que considera o impacto concreto para a vida, o eleitor fortalezense é dado a ousadias novidades. Penso ser isso, mais que uma eventual identificação ideológica, que explica muitos dos resultados eleitorais surpreendentes na Capital.
E aí entra Fernandes e o que ocorre no Brasil desde 2018. O extremismo de direita se tornou o principal discurso de mudança e ruptura. É o canal de contestação, ao passo que a esquerda, que antes criticava as “instituições burguesas”, passou a defender o status quo. Ainda mais no Ceará, onde é hegemônica.
Os anos de poder da esquerda fazem com que seja associada aos problemas de caráter público. A direita, então, torna-se a mudança. Assim André conquistou a metade dos eleitores de Fortaleza.
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