Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Tenta-se convencer os trabalhadores de que todo benefício ou direito concedido a eles é ruim. Que bom mesmo é não ter direito nenhum. Aí serão gerados empregos e a economia irá prosperar
A proposta colocada sobre mudança na escala de trabalho carece de aprimoramento e discussão, mas a redução de carga horária é tendência mundial e necessidade para um ambiente econômico mais saudável. Obviamente que é preciso construir o modelo, mas há vários países do mundo com jornadas mais razoáveis e economias muito mais fortes. E experiências, inclusive no Brasil, bastante alvissareiras com semana de trabalho de quatro dias. Para alguns, porém, cinco dias e dois de folga já seria avanço. Cabe discussão, sim, sobre a produtividade do trabalhador brasileiro. O que passa por qualificação, mas também pelas condições oferecidas para o exercício da profissão. Muitas empresas depõem contra a produtividade. E, ao discutir o desempenho do trabalhador, uma quantidade de tempo livre mais razoável pode contribuir para os resultados. Óbvio que não é só isso.
No setor empresarial, já há manifestações de que a medida pode gerar desemprego. Haverá, é fato, aumento do custo da hora trabalhada. E o impacto dessa despesa tem consequências. Porém, afirmar que vai gerar desemprego, pura e simplesmente, é uma alegação com tanto generalismo e inconsistência quanto se atribui à PEC em discussão.
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) falou: "Como é que ficam os casos, por exemplo, dos supermercados, restaurantes e hospitais que têm que funcionar 24 horas? Numa escala, por exemplo, 4×3 — trabalha quatro dias e folga três — basicamente, ou eles demitem funcionários ou eles aumentam os funcionários". A conta não fecha. Se o estabelecimento precisará de mais gente, não vai demitir.
Empresário gera emprego por um motivo e apenas um: porque precisa do trabalhador. Não é ação social ou caridade. Se reduzir a carga horária, o trabalhador não será menos necessário. Será mais caro, e esse é o ponto.
A resistência a melhorias aos trabalhadores — quaisquer melhorias
O fato é que há resistências de empregadores sempre que se fala em concessões aos trabalhadores. De todos os que vi se manifestar, não vi nenhum que demonstre ter dimensão exata do impacto, mas a impressão de que será algo devastador para o negócio. É assim ao longo da história. Todas as medidas adotadas para o fim da escravização de seres humanos foram alvo de catastrofismo. O fim do tráfico de pessoas da África — após décadas de tentativas sob pesada pressão internacional, inclusive armada — era apresentado como algo que iria destruir a economia nacional. A Lei do Ventre Livre, décadas depois, foi vista como novo golpe contra a capacidade produtiva brasileira — era a lei para estabelecer que filhos de mães escravizadas são seriam escravizados, não seriam propriedades dos donos de suas mães. O debate travado era sobre direito a propriedade. Muitas questões humanitárias no Brasil esbarram nessa questão. Foi assim há 150 anos e seria assim ainda hoje. Aliás, ainda segue.
Naquela época, surgiram os infames clubes da lavoura. A bancada ruralista da época, para se opor e adiar ao máximo as leis contra a escravização de seres humanos. Não dá para dizer que foram derrotados. Demorou quase duas décadas até a abolição, sem qualquer medida compensatória às vítimas. Novamente, o debate travado foi um disparate de quem queria a indenização aos donos de seres humanos que se viam expropriado de suas “propriedades”. Não se falou de indenizar os escravizados e ainda hoje há chiliques quando se fala de políticas afirmativas aos descendentes.
(Havia, sempre há, os empresários capazes de entender a realidade em que vivem. Irineu Evangelista de Souza, o visconde de Mauá, passou a vida defendendo o fim da escravidão e, já idoso, lamentou que a abolição tivesse chegado tão tarde. Hoje é ídolo de muitos homens de negócio, mas na época foi combatido pelos pares retrógrados.)
Desde a revolução industrial, houve protestos — e muito além disso — diante das tentativas de regular jornadas de trabalho. Dizia-se que era melhor não ter lei e deixar a negociação entre trabalhador e empregado definir essas coisas. As jornadas chegaram a ser de 18 horas diárias e há registros de mutilações e mortes de operários que desmaiavam ou dormiam sobre as máquinas.
Existe um discurso que busca convencer os trabalhadores de que todo benefício ou direito concedido a eles é ruim. Que bom mesmo é não ter direito nenhum. Aí serão gerados empregos e a economia irá prosperar.
O problema é que as promessas douradas da liberalização da economia nunca se concretizam. Quando a reforma trabalhista foi aprovada em 2017, a flexibilização iria gerar uma onda de empregos, ave Maria. Não foi o que se viu.
Claro que há problemas e riscos. O aumento dos custos é um deles. O perigo de explosão da informalidade, também. Mas se pode discutir mecanismos para atenuar efeitos.
Por exemplo, tramita na Câmara, há bastante tempo, projeto de lei de mudança da carga de trabalho, com previsão de transição de dez anos. Será que não é possível? Se for inviável um ano, como na proposta de Erika Hilton (Psol-SP), não é factível a transição de uma década, como já foi proposto e nunca se quis debater?
Todos os argumentos para não reduzir a jornada de trabalho hoje poderiam ser aplicados 200 anos atrás com a mesma validade. Mas, a história se moveu ainda assim.
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