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Os políticos e a defesa da democracia
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Os políticos e a defesa da democracia

Enquanto a ditadura é a estrutura natural do inconsciente humano, a democracia é uma elaboração teórica e intelectual. Por isso, é instável
Tipo Opinião
ESTÁTUA da Justiça e o Congresso Nacional ao fundo, na Praça dos Três Poderes (Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF)
Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF ESTÁTUA da Justiça e o Congresso Nacional ao fundo, na Praça dos Três Poderes

Escrevi na coluna de anteontem que a defesa da democracia é algo muito maior que definir se o presidente é Jair Bolsonaro (PL) ou se é Lula (PT). Nos embates políticos, muitas vezes os envolvidos, e até os eleitores, entendem que não é assim. Para uns, garantir a vitória do candidato preferido pode parecer questão de vida ou morte. Mais ainda quando se trata de derrotar o inimigo. Para a direita, impedir uma eleição de Lula pode parecer algo que justifica qualquer meio, assim como, para a esquerda, derrotar Bolsonaro pode soar legítima razão para fazer qualquer coisa. Mas, quando digo que a democracia está acima, muito acima dessas questões, refiro-me aos interesses da sociedade e também das próprias pessoas para quem assegurar o poder é questão de tudo ou nada.

A busca de todo político, direta ou indiretamente, é chegar ao poder. Uma vez que esteja lá, busca permanecer pelo máximo de tempo que conseguir. Grupos por vezes se perpetuam, mas nunca acham que é hora de sair. Sempre tentam estender o poderio um pouquinho mais. Nunca é o bastante. O filósofo inglês Thomas Hobbes dizia que o desejo mais intenso que move os seres humanos é a posse e a dominação.

A derrota eleitoral, principalmente para o pior inimigo, pode parecer desoladora. Porém, a democracia é o alento e a segurança. Dali a quatro anos haverá nova eleição. Os mandatos têm prazos determinados. Os eleitores têm nova oportunidade de renovar acertos ou corrigir erros. As coisas se renovam. Se tudo parece perdido hoje, amanhã pode haver uma vitória gloriosa. E o resultado avassalador de um dia pode se tornar em fracasso no outro. Isso é uma garantia da sociedade mas — isso políticos que se metem em aventuras golpistas parecem não compreender — é a sobrevivência da própria política.

É interessante como o medo — real ou como pretexto — de que o inimigo se perpetue no poder é capaz de levar políticos a eles próprios mergulharem em aventuras autoritárias, ou pelo menos tentar. No século XX, o Brasil teve duas ditaduras, ambas por medo de que os comunistas instalassem uma ditadura. E os comunistas queriam mesmo instalar suas ditaduras, tentaram até, mas nunca estiveram perto de conseguir. A maneira de se contrapor a uma eventual ditadura comunista nunca foi o fortalecimento da democracia, mas reagir com ditaduras anticomunistas. Não é o caminho.

Limites da democracia

A grande armadilha em que se pode recair é imaginar que a democracia pode permitir ser usada contra ela própria. A liberdade de opinião e expressão na política não pode se tornar instrumentos para destruir a própria democracia por dentro. A professora Raquel Machado, em entrevista ao O POVO há algum tempo, já definiu a situação: “Se aquele que está no poder utiliza o próprio espaço de poder para desacreditar a democracia, é uma espécie de cavalo de Tróia da democracia. É alguém que está ali para destruir a democracia”.

Ela lembrou que, mesmo nas democracias primitivas, havia instrumento para evitar que alguém tivesse poder demais. Caso do ostracismo, na Grécia antiga.

A democracia pode ser instável, mesmo frágil. Quem bem explicou isso em entrevista ao O POVO, há quase uma década e meia, foi Valton Miranda. O psiquiatra e psicanalista acredita que o impulso inconsciente do ser humano é para a ditadura. “A ditadura é uma espécie de necessidade inconsciente do homem que foi sendo superada pelo processo histórico. Essa necessidade de ter um poder todo-poderoso que o submeta à obediência”.

Enquanto a ditadura é a estrutura natural da concepção humana, a democracia é uma elaboração teórica e intelectual. “Essa coerção foi racionalizada. Ela hoje está dentro do processo institucional. Weber diz isso. Foi racionalizada. Mas continua coerção. E, de vez em quando, essa coerção institucional, colocada dentro de parâmetros democráticos, é rompida. E emerge novamente tudo aquilo que, atavicamente, persiste. Esse atavismo está constantemente fazendo força para vir à tona, a partir do inconsciente grupal e individual”, disse Valton.

“A democracia é, na minha visão, apenas uma espécie de cobertura, de invólucro jurídico-político para algo subjacente, que é um impulso constante no sentido do estabelecimento de regimes de exceção. Não faz parte da natureza do inconsciente humano a democracia. Democracia é um artifício, enquanto ditadura é a estrutura fundamental do funcionamento do grupo humano. Não estou defendendo a ditadura. Mas eu estou dizendo que esse artifício, que hoje é estabelecido através da justiça, da lei, é sempre muito instável”, explicou o psicanalista.

Isso reforça ainda mais a importância da defesa da democracia.

Foto do Érico Firmo

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