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Pardais e evolução em ecossistemas urbanos
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Jornalista, divulgador científico e professor da Universidade Federal de Rondonópolis. É doutor em ecologia pela Universidade Autônoma de Madrid, Espanha

Fabio Angeoletto ciência e saúde

Pardais e evolução em ecossistemas urbanos

Os sistemas ecológicos urbanos são notavelmente complexos, devido à intersecção de fatores ambientais e humanos. Os pardais (Passer domesticus) são aves cosmopolitas e sua introdução no Brasil é um exemplo dessa intersecção

As cidades são ecossistemas heterogêneos compostos por um mosaico de centenas de habitats que incluem parques, praças, áreas densamente construídas, vazios urbanos, quintais e fragmentos de vegetação dos biomas onde estão localizadas. As cidades também são definidas como novos ecossistemas porque, pela primeira vez na história da Biosfera, diferentes táxons de animais, plantas e outros organismos, como bactérias e vírus, reúnem-se nas cidades.

Espécies nativas e exóticas são encontradas em ecossistemas urbanos, influenciados por fatores sociais, econômicos, políticos, urbanos, históricos e culturais. Os sistemas ecológicos urbanos são, portanto, notavelmente complexos, devido à intersecção de fatores ambientais e humanos. Os pardais (Passer domesticus) são aves cosmopolitas e sua introdução no Brasil é um exemplo dessa intersecção. Os pardais eram comuns nos parques europeus, e os primeiros exemplares foram soltos no início do século XX em São Paulo e no Rio de Janeiro, no contexto das reformas urbanas que buscavam europeizar essas cidades decorando seus jardins. Atualmente, há registros da presença de pardais em cidades de todos os estados do Brasil.

Os pardais têm pequenos territórios de algumas dezenas de metros e as interações com outras populações são limitadas. Estas características fazem do pardal uma espécie especialmente adequada para o biomonitoramento de poluentes atmosféricos. O biólogo Deleon Leandro (UFMT) e colaboradores da UFR e da Universidade Complutense de Madrid estudaram os efeitos da urbanização sobre a fisiologia dos pardais em Rondonópolis, Mato Grosso. Rondonópolis é uma cidade de 239 mil habitantes e rápido crescimento urbano. Está localizado no Bioma Cerrado, um hotspot global de biodiversidade onde são encontradas 53% das espécies de aves brasileiras.

Os cientistas estabeleceram quatro pontos amostrais em Rondonópolis, sendo o ponto 1 um ambiente rural e arborizado, o ponto 2, um ambiente menos urbanizado e com mais vegetação, o ponto 3, uma avenida com um tráfego intenso de veículos, e o ponto 4, um parque industrial com rodovia com intenso tráfego de caminhões e outros veículos. Eles capturaram 240 indivíduos adultos utilizando redes de neblina. Além das amostras de sangue, as aves foram anilhadas, sexadas e suas medidas morfológicas foram calculadas (músculos, gordura, peso, ossificação do crânio, idade, envergadura, comprimento do tarso, cauda, distância cabeça-bico, altura e largura do bico). As aves foram soltas após a coleta de dados. As aves capturadas nos pontos 3 e 4 apresentaram alterações morfofisiológicas que indicam poluição do ar. Por exemplo, os pardais capturados no bairro Vila Salmen, área urbana de extrema pobreza às margens da rodovia BR-364, apresentaram alterações nos percentuais de hemoglobina e heterofilos, em comparação às aves capturadas no ponto rural.

Interessantemente, os pesquisadores também detectaram alterações no bico e no crânio das aves capturadas – um provável indício de evolução biológica daquelas populações de pardais, devido à pressão da seleção natural em cidades. Anualmente, milhões de toneladas de soja cultivadas na região Centro-Oeste do Brasil convergem para Rondonópolis, e de lá são exportados.

As aves encontradas em locais onde havia disponibilidade abundante de grãos, devido às estradas que transportam a produção agrícola e infraestruturas para o processamento da soja, tinham em média crânios um pouco menores e bicos maiores e mais cônicos. Por outro lado, em áreas menos antropizadas, como nos entornos de parques e em regiões periurbanas, as aves tinham crânios ligeiramente maiores e seus bicos eram mais finos e menos cônicos. Deleon e seus colegas conjecturam que as diferenças morfológicas podem ter surgido das dietas distintas às quais as populações de pardais de Rondonópolis têm acesso: soja, ou dietas mais diversas – e mais saudáveis! – como insetos e sementes, em regiões com maior diversidade de vegetação e mais áreas verdes.

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