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Trump é o mesmo, o mundo não
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Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

Trump é o mesmo, o mundo não

É neste contexto de império em decadência que Trump assume para um segundo mandato. Não há quem leve à sério suas declarações sobre o Canal do Panamá, o Golfo do México, o Canadá ou a Groenlândia. A retórica sobre isso é a caricatura da decadência
Tipo Opinião
YUMA, ARIZONA - 12 DE MAIO: A mãe peruana Miriam fica com seu filho Andre, perto de outros membros da família, todos em busca de asilo nos Estados Unidos, enquanto esperam para serem processados pelos agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA após cruzarem o México para o Arizona em 12 de maio de 2023 em Yuma, Arizona. A política do Título 42 da era Covid do governo dos EUA, que nos últimos três anos permitia a rápida expulsão de migrantes irregulares que entravam no país, expirou ontem à noite. Cerca de 25.000 imigrantes estavam sob custódia da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA ontem, no fim da política.  (Foto: Mario Tama/Getty Images/AFP)
Foto: Mario Tama/Getty Images/AFP YUMA, ARIZONA - 12 DE MAIO: A mãe peruana Miriam fica com seu filho Andre, perto de outros membros da família, todos em busca de asilo nos Estados Unidos, enquanto esperam para serem processados pelos agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA após cruzarem o México para o Arizona em 12 de maio de 2023 em Yuma, Arizona. A política do Título 42 da era Covid do governo dos EUA, que nos últimos três anos permitia a rápida expulsão de migrantes irregulares que entravam no país, expirou ontem à noite. Cerca de 25.000 imigrantes estavam sob custódia da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA ontem, no fim da política.

Os Estados Unidos são um império em decadência. Por favor, vamos ler na sequência correta para não haver mal-entendido: primeiro é preciso destacar que os Estados Unidos são um império e continuarão a sê-lo ainda por um bom tempo. Sozinhos, representam mais de um quarto de toda a riqueza produzida no planeta Terra, são 26,1% do produto interno bruto mundial. Têm, sem contar com aquelas que são sigilosas, mais de 700 bases militares espalhadas em mais de 80 países: isto é algo entre 75% e 85% das bases militares estrangeiras no mundo. Para efeito de comparação o Reino Unido, segundo país com mais bases militares no exterior, tem 145; a Rússia tem 36; a China tem 08.

Dito isto é preciso agora ir à segunda parte da caracterização: este império está em decadência. Estima-se que em 50 anos, os Estados Unidos serão, não mais a primeira, mas a terceira maior economia do planeta. Terão sido ultrapassados pela China já em meados da próxima década, e pela Índia em meados dos anos 70 deste século. A China já é, hoje, a maior parceira comercial dos países da América Latina, da África e dos países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASsean). Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, 13,5% das famílias, ou seja, algo em torno de 18 milhões, tiveram dificuldades para garantir comida suficiente em 2023; e o Bank of America Institute, informou que em 2024, 30% de todas as famílias dos EUA relataram gastar mais de 95% de sua renda disponível em necessidades como moradia, alimentação e contas de serviços públicos. Este percentual sobe para 35% nas famílias que ganham até 50 mil dólares por ano.

Mas a decadência não se resume ao aspecto econômico, ela é também política. Os Estados Unidos já não lideram o mundo como antes. Não estão à frente de nenhuma iniciativa de construção ou de reconfiguração de organismos multilaterais, de tratados internacionais relevantes para o tema de migrações, mudanças climáticas, comércio ou desenvolvimento. Seu ideal de liberdade é eticamente torpe, contraria noções elementares de decência, humanidade, e revela o caráter vil, ignóbil, anacrônico e plutocrático de sua democracia e sistema político.

É neste contexto de império em decadência que Trump assume para um segundo mandato. Não há quem leve à sério suas declarações sobre o Canal do Panamá, o Golfo do México, o Canadá ou a Groenlândia. A retórica sobre isso é a caricatura da decadência.

Mas, em termos concretos, sua ação política enfraquece o multilateralismo, distancia o mundo das poucas soluções ainda possíveis para nossa convivência com extremos climáticos, aumenta a perseguição, o preconceito e a violação de direitos de migrantes e refugiados, força os limites da institucionalidade política na nação econômica e militar ainda mais poderosa do planeta, animando o populismo de extrema direita e a crise das democracias mundo afora.

Se a retórica xenófoba, racista, misógina, colonialista de Trump se transforma em ações de governo, não teremos a reversão, mas o aprofundamento da decadência do império, o aprofundamento das crises, da incerteza e dos perigos do tempo que nos toca viver. n

 

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