
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
O recebimento da denúncia contra Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado é, sem dúvida, um marco institucional importantíssimo para o amadurecimento de uma cultura democrática no Brasil e como tal deve, sim, ser festejado. Mas o serviço não está completo.
O sistema de justiça deve à República a responsabilização dos agentes públicos, Bolsonaro entre eles, que conscientemente atuaram para a propagação do coronavírus durante a pandemia, levando à morte centenas de milhares de pessoas.
O "Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no Brasil", estudo da Cepedisa/FSP/USP, em parceria com a Conectas Direitos, analisou 3.049 normas jurídicas produzidas no âmbito da União em 2020. São leis, medidas provisórias, decretos, portarias, instruções normativas, resoluções e decisões judiciais que evidenciam uma estratégia institucional de exposição da população brasileira ao contágio durante a pandemia.
Pior do que uma desorganização ou uma incompetência, o estudo mostra um conjunto de ações articuladas que agravou a crise sanitária no país. Este agravamento levou à morte milhares de pessoas que hoje poderiam estar vivas. São pais e mães, avôs e avós, filhos e filhas, amigos e amigas que perdemos sem sequer poder velar seus corpos com os ritos fúnebres adequados à suas dignidades e à nossa dor.
Concretamente, as ações de Bolsonaro à frente do governo federal aprofundaram desigualdades regionais, sobrecarregaram o SUS e aumentaram o número de mortes. A judicialização da pandemia — com o governo federal combatendo na Justiça medidas como lockdown e uso de máscaras — demonstra uma estratégia de sabotagem que violou o princípio constitucional da proteção à vida. A politização da pandemia, da vacinação, os ataques a medidas sanitárias, a propagação deliberada de desinformação, tudo isso pode, sim, caracterizar uma violação sistemática de direitos humanos fundamentais.
A lista de crimes potencialmente cometidos é grande: tentativa de homicídio, perigo para a vida ou saúde de outrem, epidemia, infração de medida sanitária preventiva, omissão de notificação de doença, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, falsidade ideológica, uso de documento falso, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa, usurpação de função pública, corrupção ativa, fraude em licitação ou contrato, fraude processual, para citar os do código penal.
Mas ainda pode restar configurado o crime contra humanidade (decreto no 4.388, de 2002 — Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional), bem como o crime de organização criminosa, previsto na lei no 12.850, de 2013.
Se o Estado brasileiro não pode falhar na apuração das responsabilidades de quem atentou contra a democracia, igualmente não pode falhar na apuração das responsabilidades de quem transformou a pandemia em um projeto de morte. Processar e julgar Bolsonaro também pelos crimes relacionados à propagação do vírus não é apenas uma questão jurídica, mas um imperativo ético e de justiça às vítimas e seus familiares. n
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