
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
The power demanded the bastard, the king of the fairy goes mad. Essa frase (?) deve ter rolado no feed do seu instagram na semana passada insistentemente. E de várias maneiras: na forma de pregação, na forma de meme, de funk, de aula de inglês. Virou chacota nacional. Na sequência, mais vídeos de Miguel Oliveira rasgando laudos médicos e anunciando a cura da leucemia a uma mulher que chora e corre ao encontro de uma amiga, pedindo ofertas, gritando sons estranhos, traduzindo sons estranhos, se autoproclamando profeta. Virou a piada da semana no país inteiro.
Eu não ri. Aquilo, na verdade, me entristeceu de muitas formas. Talvez, não sei, porque eu seja pai de um adolescente de 15 anos. Mesma idade de Miguel. Talvez porque, na Universidade, uma das disciplinas que ministro seja a de Direitos da Criança e do Adolescente.
Talvez porque eu não tenha, mesmo, senso de humor, e onde se via graça, eu via um adolescente tendo a imagem exposta, ridicularizada, sendo manipulado por adultos que iam desde pastores, o prefeito de Sorocaba, influenciadores digitais, até chegar a seus próprios pais, todos ganhando dinheiro e engajamento às custas a exposição da imagem de um adolescente que, obviamente, por seu desenvolvimento físico, intelectual, e emocional ainda incompletos, esteve exposto à negligência, à omissão, e à exploração por aqueles que tinham o dever legal e ético de zelo e de cuidado com ele.
Eu me perguntei onde estava o Conselho Tutelar, o Ministério Público, o Juízo da Vara da Infância e da Juventude, onde estava o Estado. E o Estado finalmente agiu. Na quarta (30/4) li que o Conselho Tutelar determinou o afastamento do adolescente das redes sociais, o cancelamento de eventos agendados, o retorno imediato à escola na forma presencial.
Os pais foram, ainda, advertidos de que podem ser afastados do filho caso o adolescente continue sendo exposto e as medidas protetivas sejam por eles desrespeitadas.
Mas me entristeceu também uma outra reflexão. Essa, não sobre Miguel; mas sobre nós. Que tipo de gente somos nós que não temos pudor em lucrar com a ridicularização pública da imagem exposta de um adolesce? Que há de humano em nós, que ao invés de indignarmo-nos, rimos e compartilhamos? E que adultos infantilizados, estúpidos, adoecidos, frágeis, carentes somos nós, que somos levados ao transe, ao torpor, na escala das centenas de milhares, por um adolescente gritando coisas estranhas e sem sentido, prometendo a cura e a graça, dizendo um Deus fala por sua boca.
Estamos insensíveis, embrutecidos e carentes. Profunda e amargamente carentes. Somos ególatras e solitários, reféns do aplauso, da aprovação, da aceitação, da lacração. Tornamo-nos adultos irreflexivos, imediatistas, com extrema dificuldade em tomar decisões independentes, de estabelecer limites.
Também nós, no fundo, no fundo, não somos tão mais do que crianças com o celular na mão em busca de entretenimento ou de milagre. Somos vítimas e algozes de Miguel, todos os dias.
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