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Museu do Ferro... e dos afetos
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Museu do Ferro... e dos afetos

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Tipo Crônica

O fim do uso do trabalho forçado no agronegócio canavieiro, tornado ilegal no Brasil imperial em 1888 com a abolição da escravatura, deu início ao processo de mecanização dos engenhos de beneficiamento de cana, que passaram a utilizar máquinas a vapor introduzidas pelos britânicos na linha de produção de açúcar, rapadura e aguardente, em substituição gradual aos engenhos de madeira tracionados por roda d´água ou animais.

Com o passar dos anos, o desgaste de fornalhas, caldeiras e outros equipamentos começou a exigir a reposição de peças, mas o arrefecimento das condições concorrenciais da atividade açucareira tornava inviável a importação de peças originais. Foi nesse cenário que, em 1933, o mestre ferreiro e mecânico caririense Antônio Linard (1904 - 1983) fundou em Missão Velha/CE, a sua incrível "fábrica de fazer fábrica".

Essa histórica começa com um fato inusitado envolvendo Virgulino Ferreira, o Lampião (1898 - 1938), que teria 'convidado' Linard para fazer a limpeza e lubrificação de um armamento, e o mestre dos ferros, por razões óbvias, não cobrou nada pelo serviço prestado. Foi então que o "Rei do Cangaço", envaidecido com aquela deferência, fez uma 'vaquinha' e, com o dinheiro arrecadado, Linard comprou um torno industrial que daria início ao seu duradouro empreendimento.

De tanto acompanhar montagens de engenhos de ferro, mesmo com pouco estudo, o Mestre Antônio Linard aprendeu a entender os manuais em inglês e francês e tornou-se um fabricante de peças e equipamentos customizados. Assinava no metal o que produzia, como garantia de qualidade. Tinha orgulho do que fabricava e, antes da entrega de um novo maquinário, fazia uma exposição no pátio do seu conjunto de oficinas e anunciava na radiadora da praça para que as pessoas da cidade também se orgulhassem.

Passadas mais de nove décadas, a indústria Antônio Linard Máquinas e Construções Técnicas Ltda, presidida por Maragton Linard, está em processo de transmissão da segunda para a terceira geração e segue como referência, entre outras, na produção de peças em aço inox, fabricação de pallets, estruturas metálicas de armazenagem (Drive-in) e equipamentos para Veículos Leves sobre Trilhos (VLT).

As filhas e o filho de Maragton e Ealice têm funções complementares na condução do negócio: Amélia é economista e cuida da área de pessoas; Mona Alice, que é engenheira de produção, faz a parte financeira; Patrícia é engenheira mecânica e responsável pela produção; e Alônio, também engenheiro mecânico, 'puxou o avô' nas soluções criativas. Dos cinco, apenas a Ana Cristina, que é advogada e mexe com turismo, ainda não está no dia a dia da fábrica.

Animada, a terceira geração está dando mais um passo inovador na história dessa empresa familiar, ao incluir a visitação à fabrica no circuito dos museus orgânicos fomentados pela Fundação Casa Grande e pelo SESC-CE. A convite de Júnior dos Santos, diretor da FCG, estive no final de abril, 28, no complexo de oficinas Linard para conferir os preparativos do Museu Orgânico Antônio Linard, a ser inaugurado no dia 5/6/2024.

Além da fábrica, decorada com frases espirituosas do fundador - tais como "Não existe patrão bom nem operário ruim" - o visitante poderá ver o Parque das Máquinas, no pátio; uma expografia no antigo setor de montagem; a lojinha com peças de ferro e ladrilho hidráulico da casa, e, futuramente, o Café Tia Rosa, em homenagem à irmã do fundador, que gostava de culinária.

Impressionado com o carinho demonstrado pela terceira geração com a empresa, sua memória e história, perguntei de onde vem esse sentimento traduzido em paixão, envolvimento e compromisso, e Mona Alice respondeu: "Nós fomos criados brincando aqui dentro". Some-se esse amor a uma história atraente e a uma fábrica em movimento, e está montado o terno diferencial desse museu do ferro e dos afetos.

Foto do Flávio Paiva

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