Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Vi de perto a circulação do povo Maasai com suas mantas vermelhas tangendo seu gado bovino, ovelhas e cabras pelas margens das estradas e pelas savanas. Visitei suas feiras de artesanato em Nairóbi. Estive em duas vilas Maasai, uma no Quênia e outra na Tanzânia, quando conheci escolas infantis dessa que é a etnia mais expressiva desses dois países da África Oriental.
Na cidade de Arusha comprei o livro "Maasai - Life of Sai-Maa" (Dotson, 2022), de Mathew Ole-Lona, escritor daquela cidade tanzaniana. Nessa obra, ele conta a história de um guerreiro Maasai, do nascimento à morte, com ênfase nas cerimônias rituais desses pastores nômades que não se afastaram de seus ancestrais nilóticos. Senti um pouco desses caminhos culturais nas dimensões da realidade aparente e das nuanças literárias.
Os Maasai transitam permanentemente entre os dois países sem necessidade de passaporte, por terem conquistado destaque especial como elementos significativos da complexa trama que movimenta o imenso patrimônio natural e cultural africano. Estima-se que são mais de 800 mil pessoas integradas às populações de 55 milhões de habitantes no Quênia e 62 milhões na Tanzânia. Os criadores Maasai têm permissão para construir pequenas vilas nos quase 10% dos 581 mil km² do território do Quênia e dos 945 mil km² da Tanzânia.
A colonização britânica tentou ocupar as savanas com pecuária, mas foram desestimulados pela mosca tsé-tsé. Montaram fazendas onde foi possível e estabeleceram reservas para a caça comercial e desportiva pouco antes da independência desses países na década de 1960. Diversas tribos foram empurradas para esses rincões. Os Maasai, como tinham uma diversidade de raças em seus rebanhos, conseguiram se estruturar e conviver com elefantes, hipopótamos, rinocerontes, búfalos, leões, guepardos, leopardos, zebras e gnus, migrando como eles, de acordo com a disponibilidade de pasto.
Nessas poucas décadas de independência, as dificuldades são muitas na estruturação desses países. As pressões do agronegócio por terras das áreas protegidas são enormes; os impulsos para a instalação de empreendimentos turísticos também. No Quênia, os parques são geridos pelos próprios Maasai, e, na Tanzânia, exceto o Ngorongoro, que tem uma autoridade autônoma, é o governo que administra. Fora isso, na dimensão da realidade há ainda o tráfico de animais silvestres, suas peles, seu marfim.
Na dimensão da literatura, o livro de Ole-Lona fala de lugares por onde passei e facilita visualizar o ambiente do relato. Quando, por exemplo, o autor se refere à Montanha Negra, dá para lembrar do monte Meru; e, ao citar a Montanha Branca, surge na imaginação o Kilimanjaro. Contudo, dentro desse cenário, os contextos de vivências da infância Maasai prenderam mais a minha atenção nessa obra, pelos detalhes da sociabilidade do menino Wasaet, entre o exercício de ser criança e os desígnios de enk'Ai, o deus Maasai.
Na leitura, a cada movimento dos personagens infantis era como se eu visse as crianças Maasai com as quais estive pessoalmente. Observava em seus rostos a face de Wasaet sonhando em fazer os animais felizes enquanto pastavam. Para isso, ele inventava canções de pastoreio. Estava tão animado um dia que cantou para elogiar o touro, suas vacas favoritas, o rebanho, as águas do lago e tudo o que conseguiu lembrar para admirar.
O tempo Maasai é medido por estações chuvosas e secas, e a existência é balizada por cerimoniais que ajudam a aproximar a vida da história. São rituais intensos, como o Enukata-o-Soit, em que uma pedra simbolizando os 7 anos é enterrada em lugar secreto e desenterrada 7 anos depois no Enkurmoto-o-Soil, momento solene que dá início à preparação do Maa pleno e suas responsabilidades de guerreiro pela manutenção da paz.
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