Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Pela rodovia que liga o aeroporto de Arusha ao centro da cidade, logo após cruzarmos uma área verde de cafezal e iniciarmos o trecho de adensamento urbano, demos de cara com algo inusitado: um gigantesco complexo empresarial que interliga centro de herança cultural (Cultural Heritage) e galeria de arte (Afrikan Art Gallery). Um só lugar, onde pode-se apreciar e adquirir obras antigas e atuais produzidas em todo o continente africano.
Arusha é uma cidade com pouco mais de 400 mil habitantes, localizada no norte da Tanzânia, mais conhecida por ser entreposto logístico do turismo de safari nos parques Tarangire, Serengeti e Cratera de Ngorongoro. É também ponto de referência para o comércio de tanzanita, pedra preciosa de características únicas que só existe naquela região do mundo, e para quem se dispõe a escalar os montes Meru e Kilimanjaro.
Com arquitetura inspirada no tambor, na lança, no escudo e no Pico Uhuru, o mais alto de toda a África (5.895 metros de altitude), o prédio tem quatro pisos em espiral, plenos de obras artísticas rituais, artesanais, utilitárias e de arte contemporânea. É deslumbrante transitar entre tantas e diversas esculturas, pinturas e coleções de máscaras e antiguidades em móveis, baús de madeira, cadeiras reais e instrumentos musicais.
O povo Maasai, pela relevância que alcançou nas culturas queniana e tanzaniana, tem uma sala tomada pelas vibrantes cores de suas mantas (Shuka), colares de contas, cabaças decoradas, lanças e escudos e pela espada curta (Sime) de dois gumes em bainha de couro avermelhado, usada por eles no cotidiano da vida nômade.
Muitas lojas estão espalhadas pelo setor de herança cultural. Uma está cheia de colares Kazuri ("pequeno e belo", na língua suaíli) de cerâmica, âmbar, vidro, osso e bronze, feitos à mão; outra expõe camisetas temáticas, roupas e acessórios; mais ao lado, a de especiarias, aromas e óleos essenciais, que vende também sabão e livros sobre arte, cultura, história e natureza africana; e por algum lugar uma loja de grife, com designs estilizados.
Associada a um estúdio de ourivesaria, há, inclusive, uma loja que traz em seu cintilar a fonte do relato que dá origem ao empreendimento, a Gemstone. Nela, o visitante encontra joias de tanzanita em ouro branco, ouro amarelo, ouro rosa e prata, personalizadas por especialistas nessa pedra preciosa, mas também em rubis, esmeraldas, diamantes, ametistas e outras gemas.
O idealizador, proprietário e diretor desse complexo cultural é Saifuddin Khanbhai (58), conhecido como Saif, empresário da indústria da tanzanita, dono de mina e parceiro da Tiffany & Co., empresa estadunidense com a qual negocia essa pedra rara em Nova York. Como bom ganhador de dinheiro, ele percebeu na arte continental africana uma forma de ser muito mais bem-sucedido e, ao mesmo tempo, de dar uma contribuição significativa à cultura e ao turismo tanzanianos.
A família Khanbhai é árabe ismaelita e está presente na Tanzânia desde 1836, quando os antepassados de Saif chegaram a Tanga, cidade da zona costeira onde está localizado o segundo maior porto do país (o primeiro é em Dar es Salaam), então sob domínio do sultão de Zanzibar. Os alemães controlaram a região de 1891 a 1914 e os britânicos deram as cartas até 1961, quando a Tanzânia se tornou independente.
Ao agitar a memória cultural africana com o seu empreendimento, Saifuddin Khanbhai mantém viva também a luz de sua própria existência. Foi uma surpresa encontrá-lo pessoalmente no caixa. Com orgulho, ele disse ao meu filho Lucas e a mim que 80% do que recebe pelas obras vai para os artistas, 10% para manter o espaço e 10% são revertidos para causas de apoio a crianças em situação de vulnerabilidade, adultos com necessidades especiais e pessoas albinas.
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