Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Depois de longa convivência nos campos e cantos do maracatu e da capoeira, e de ter feito as extraordinárias intervenções urbanas do Livro de Rua e Poesia Circular, em Fortaleza, Sivirino de Caju prepara o lançamento do EP Maré de Lua Cheia, com o qual se apresenta na condição de compositor e cantor.
Sivirino vive em um triângulo territorial afetivo, formado pelo sopé da serra da Aratanha (Pacatuba), pela margem dos trilhos de trem no bairro Floresta (Fortaleza) e pela beira-mar de Iparana (Caucaia), praia onde compôs essas canções banhadas pela luz da lua.
Leves, boas de ouvir, envolventes e cheias de sensações que ativam o humano e o satélite natural da Terra como fontes de energia do amar, as quatro composições evocam espiritualidades integrantes das raízes musicais brasileiras de ascendência africana.
Entraram na roda desses cantos enluarados: o músico paraense Gabriel Marquez, que faz cordas, percussão e assina a produção com Sivirino de Caju; Thiago Silva, que também chega com percussão; Diones Mendes no berimbau; Nayara Alves nas flautas; Amirar Nobre, tocando ganzá e integrando os vocais ao lado de Anderson Silva, Eden Loro, Jadi Undi, Jaia Pajaro e da piauiense Michele Tajra, que interpreta com muita doação o canto de capoeira que dá título ao trabalho.
Maré de Lua Cheia é uma capoeira performativa de poesia, música e dança, como uma flor de mandinga, de feitiço de maré iluminada pelo luar e de encantamento de sereia abrigando o amor com igualdade de gênero. Em Maria de Maré, onde o bem-querer segue o vaivém das marés ao sabor da lua e da marcação nas campânulas metálicas de um agogô, a pegada é de carimbó combinado com boi-bumbá.
Canto de Lírio é uma toada de maracatu cearense com aragem de orixás, guias e protetores da alma, na qual o ferro recebe a flauta em beijos molhados de água doce e salgada. Por fim, o samba praieiro Cabôca da Mata sugere uma dança de correspondência amorosa e coração em paz, seja na claridade feliz da paixão ou na escuridão das dores jogadas ao mar.
Na capa do EP, o desenho de Sunsarara mostra o rosto bordô do artista, com cabelo encaracolado e um discreto pingente de cajuí descendo do olhar, sob a força da lua em céu de azul trançado por rasgos brancos de matéria interestelar. Essa imagem reflete bem a conexão emocional da lua com o corpo e a mente na música de Sivirino de Caju.
A vibração da corda solitária do berimbau e o ressoar da meia cabaça desse instrumento brasileiro de ancestralidade banto na barriga de quem o toca parecem sempre colar uma parte da lua ao ser pessoa, que soa e ecoa como consciência planetária.
Mesmo não sendo preto, Sivirino de Caju fez um disco de música negra, pelos aspectos poéticos, sonoros, rítmicos e temáticos de suas composições, mas também por sua atitude diante da vida. Este tipo de criação agrega força política à cultura negra, por jogar luz sobre os segredos atemporais dos seus elementos impregnados na formação da brasilidade diversa e única.
Com um cantar experienciado em seus luares inspiradores, Sivirino de Caju acrescenta despretensiosamente uma contribuição ao repertório de centenas de obras que integram o cancioneiro afro-brasileiro. Dá gosto escutar e reescutar essas canções, como quem aprecia a naturalidade do vaivém das ondas do mar.
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