Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Apreciando o show "Nas cordas do tempo", domingo passado (1/9) no Cineteatro São Luiz, com o qual o violonista Manassés comemorou 70 anos do seu nascimento, fiquei pensando no quanto ele amadureceu permanecendo o que sempre foi. Lembrei-me do pensador italiano Umberto Eco (1932 - 2016), quando afirmou que a colher, o martelo, a roda, a tesoura e o livro, uma vez inventados, não puderam ser aprimorados em suas essências.
Com os artistas também acontece isso, e Manassés é um desses músicos que podem evoluir, mas não podem ser aprimorados. A execução incomum, o movimento inconfundível de suas mãos, os acordes, o dedilhado, a intensidade da interpretação, tudo produz um volume do som que embeleza o ar de maneira muito pessoal. Manassés não é tradicional, nem vanguarda, apenas é o que é, introvertido e austero com seu peso próprio, seus adornos e sua substância original.
Acompanhado por um time de músicos de primeira linha formado por Tito Freitas (piano/teclados), Miqueias dos Santos (baixo), Adriano Azevedo (bateria) e, em algumas situações, por Alan Kardec (guitarra), a projeção do som imaginário de Manassés acendeu a vela da festa com luz de música, não deixando sombras na plateia. Tudo que soou no palco ressoou em aplausos calorosos de felicitações.
O que se pôde ver e ouvir naquela noite foi uma biografia contada em sonoridades arrebatadoras. O artista fez de tudo um pouco: cantou "Morena Penha", sua parceria com Petrúcio Maia, que chamou de o maior compositor cearense, e tocou "Ne me quitte pas", do compositor belga Jacques Brel (1929 - 1978). Interagiu amorosamente com artistas que foram importantes em sua trajetória, como a Téti (80 anos) e o Rodger Rogério (80 anos).
O momento em que dividiu o palco com Adelson Viana (53) foi o clímax do espetáculo; um estrondo de cordas e sanfonas, na mais fina densidade da música de valor artístico inconfundível. Manassés e Adelson são músicos dignos de qualquer antologia da música instrumental brasileira que mereça respeito, pela capacidade extrema que têm de extrair e de espalhar sons envolventes e marcantes.
No Ceará, terra de Sátiro Bilhar (1860 - 1926), pioneiro na estilização do choro, de Francisco Soares (1907 - 1986) e sua valsa-chorona bem-humorada, do violão-de-dança dos irmãos Índios Tabajaras (meados do século passado), das cordas percutidas de Vilamar Damasceno (1946 - 1989), da maestria eclética de Tarcísio Sardinha (1964 - 2022), do refinado violão popular de Nonato Luiz (72), da pegada plural de Cainã Cavalcante (34) e de outros grandes violonistas, Manassés distingue-se entre os excepcionais.
A impressão que tenho de Manassés é que ele toca acreditando na madeira do seu violão, que, um dia, como dizia o sábio violonista índio Atahualpa Yupanqui (1908 - 1992), "antes de ser instrumento foi árvore, e nela cantavam os pássaros. A madeira sabia de música antes de ser violão". Certamente, o menino Manassés, filho de agricultores, recebeu a mensagem dos pássaros de Maranguape, inspirando-o a nascer artista da música.
O show, produzido pelo incansável Hélio Santos, apontou os holofotes para o Manassés que sempre se ouviu, varando o tempo de um Ceará ensolarado, cruzando os horizontes infinitos da arte e alcançando perspectivas geoculturais, sem receios dos perigos que significa ter valor em um mundo de mediocridades exaltadas.
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