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Estalos do Língua de Barro
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Estalos do Língua de Barro

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Tipo Notícia

Dos lugares que costumo frequentar quando estou em São Paulo, a Casa de Francisca é um dos que mais gosto por conta da qualidade da curadoria dos espetáculos e da gastronomia. Na quarta-feira passada, 11, estive ali, no acolhedor primeiro andar do belo palacete de 1910, a poucas quadras do marco zero da capital paulista, para ver o show do álbum Língua, do compositor e cantor recifense Filipe Barros, o Barro.

No palco quase rente ao chão, de cenário ondulado, que facilita a propagação do som, o artista juntou violão, guitarra, baixo, percussão e bateria para aproximar da plateia sua música brasileira pop com sotaque pernambucano, nesse show de apresentação do álbum "Língua" (Zelo Música) à capital paulista. Barro tem dois discos anteriores: "Miocárdio" (2016) e "Somos" (2018).

O santo de Barro não quebra fácil, por isso, diferentemente do santo do dito popular, ele pode acelerar o andor que carrega sua experiência de produtor e muitas relações. Transitando pelos ritmos ijexá e afrobeat, Barro pede proteção às divindades iorubá na música "Cobra Corta Caminho" (parceria com Juliano Holanda), prometendo não andar sozinho... "E quem vê sabe que a vida vai acontecer".

A despeito de abraçar diversas influências, tendências e ritmos, o show de Barro na Casa de Francisca apresentava uma certa linearidade, quando ele convidou ao palco duas figuraças disruptivas para atiçar as labaredas sonoras e visuais da apresentação, aguçando mais a atenção de quem estava em pé, nas mesas, balcões e arquibancada.

A primeira a subir para cantar foi Jáder, performer cantante não binário recifense, que interpretou "Me Ter" (Barro / Jáder / Marley no Beat): "Você/ Me dá/ Uma vontade louca/ doce no céu da boca". Desencadeou movimentos calorosos com Barro e, em agito de forró-bandalha, fez soar, em tom de bolo de rolo, o amor dos corpos dissidentes.

A segunda a ocupar o estrado foi a dramática cantora e compositora Uana, também de Recife, rainha pernambucana de brega-funk, mas que namorica com vários ritmos urbanos. "Tão gostoso/ Foi sonhar com você/ Mas acordei com outro", escracha em "Sonhei com você" (Aida Polimeni / Uana Mahin).

Com suas letras cheias de manhas, Uana relata os aflitos cotidianos LGBTQIA e da mulher preta.

Os estalos do Língua de Barro resultam de sonoridades distintas incorporadas pelo cantor em sua obra. O álbum de estúdio, disponível nas plataformas de música digital, diz logo a que veio na capa de Pedro Vinício, ilustrador de Garanhuns que fez uma máscara digital ardente, sobreposta a uma foto de Barro, em um jogo complementar de cultura popular e emoji em chamas.

O disco Língua tem participações especiais de Chico César, em "Vira-lata Caramelo" (Barro / Guilherme Assis / Juliano Holanda), reggae de 'fogo mestiço' oscilando ao sabor dos ventos identitários e rodriguianos; de Rachel Reis, no agito praieiro "Deixa Acender" (dela e do mesmo trio); de Fran Gil (dos Gilsons) na atmosfera caribenha de "Temporal" (Barro / Fran / Guilherme Assis); e do DJ Marley no Beat, em "Me Ter" (dele, Barro e Jáder), mix de funk e maculelê.

Em "Idioma" (Barro / Caio Braz / Juliano Holanda) o álbum "Língua" conjuga o verbo decolonial: "Mais um idioma que se extingue / Mais um continente que ficou para trás". Foi assim na Casa de Francisca e é assim no disco, suas experimentações e saboreio de sonoridades e palavras.

 

Foto do Flávio Paiva

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