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Voto útil. Para quem?
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Voto útil. Para quem?

Tipo Crônica

A defesa do voto em um candidato que não é o da preferência do eleitor, a fim de impedir o avanço adversário em uma eleição, é uma prática legítima. Entretanto, o pedido feito por lideranças partidárias para que seus correligionários votem em alguém por conta de rusgas pessoais e grupais, e não por ideário, é um dos mais perigosos dentre os praticados em nome da política.

O que está acontecendo no segundo turno das eleições para prefeito de Fortaleza é uma autodesmoralização da parte derrotada que, aparentemente não tendo afinidades com o candidato que decidiu apoiar, resolveu perder a razão, mas tentar ganhar a questão. Essa adesão gelatinosa é o acontecimento culturalmente mais curioso do pleito eleitoral da capital cearense em 2024.

O que parece apenas um flerte com a ideologia emergente, que tangencia o reacionarismo tradicional, é de fato um assédio de algoritmos adestrados para induzir eleitores à sensação de que a bolha digital da "alt-right" é o próprio mundo. De uma hora para outra, esses políticos revelam que estão pouco atentos às diferenças basilares existentes entre o tempo social das mídias digitais de relacionamento e o da realidade objetiva.

As lideranças que estão pedindo voto útil em favor do candidato negacionista, mais do que se salvar do fantasma do ostracismo, podem estar também aproveitando as circunstâncias para tentar eleger alguém disposto a manter as bases de seus privilégios na vida econômica, social e política do Ceará. Eles estão desdenhando das eleitoras e dos eleitores que, por algum motivo, confiam em suas palavras.

Eleito um prefeito 'laranja' ficará mais tranquilo o controle da "decadência exuberante", expressão que cunhei no título de artigo publicado em outubro de 1998 em uma revista alternativa de Fortaleza (Plural nr.1, p.5), com o qual procurei conceituar Fortaleza como uma cidade embaçada pelos exageros do poder dominante, nas frívolas megalomanias do seu complexo de inferioridade.

Mesmo que fosse uma mera adesão contingente ao candidato youtuber, com o intuito de criar no próximo mandato uma situação de mal-estar na cidade pior do que a da administração derrotada nas urnas, essas lideranças dão a impressão de não estarem preocupadas com as consequências nefastas que esse ato pode contribuir para provocar, desde que, com isso, possam abrir um atalho para retornar ao controle da cidade.

Esse comportamento eleitoral vai além da sua avareza quando endossa uma subcultura exaltada da antipolítica que já destruiu o sistema partidário no país e vem atuando para demolir as instituições democráticas. A questão é de vida ou morte da política cearense, mas também de vida e arte, por ameaçar a cultura em um jogo de apequenamento, onde o que vale é a vantagem a qualquer custo, em uma ampla perturbação do sentido de competição eleitoral e participação política.

O momento é crucial para a cidade. Cabe à consciência de cada pessoa apontar os rumos de Fortaleza, seja para a distopia do aniquilamento da gestão municipal, onde está amotinado o voto útil, seja para o fortalecimento gradiente da democracia. Mais do que se perguntar a quem favorece o voto útil que está sendo pregado, cabe à eleitora ou ao eleitor que for às urnas no próximo dia 27, decidir se quer um prefeito para administrar a complexidade de uma cidade com mais de dois milhões de habitantes ou um gestor de uma conta do Instagram com esse mesmo número de seguidores.

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