Logo O POVO+
Vejo flores em sua canção
Foto de Flávio Paiva
clique para exibir bio do colunista

Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Vejo flores em sua canção

Dos álbuns que tenho escutado em 2024, "No Reino dos Afetos 2" (Coala), do cantor alagoano Bruno Berle, 30, é o de mais permanência no meu som. Em uma época de enrijecimento do amar, a requintada singeleza lírica desse repertório atrai pela respiração próxima do corpo da canção. Como o prazer inocente de uma brisa, ele canta o amor que se faz no dia a dia.

Berle é um artista preto, nordestino e filho das quebradas, que não renuncia à sensibilidade amorosa como estética de transformação. No mundo indie, pop e emepebê, a canção de amor de homens negros vai deixando de ser rara em vozes como as de Martins (Recife), Jota.pê (Osasco), Giovanni Cidreira (Salvador) e da dupla Yoún (Nova Iguaçu).

O frescor dessa obra já começa na bela capa da artista visual capixaba Deborah Amoreira, intitulada "Menino Com Flores", inspirada nas cabeças enfeitadas com coloridas flores de papel de seda do Ticumbi, a luta-bailada espírito-santense praticada em louvação a São Benedito, o santo dos pretos e dos pobres; imagens que conversam abertamente com sonoridades da experiência urbana.

Essa expressão de encanto floral da cultura afro-brasileira estende-se por 27 minutos como chapéus melódicos a alentar cada uma das dez faixas que anunciam com leveza claridades afetuosas. Bruno Berle vai a Santa Cruz do Capibaribe e colhe no agreste pernambucano a canção "Tirorilole", de Phylipe Nunes Araújo, em que portas e janelas são abertas para a entrada do sol, do vento e do brilho das estrelas como forma de amar.

A canção afirma "Vejo flores em seu coração", como senha para chegar: "Eu vou lá, vou me deitar no seu pomar / Levo a luz que há no peito pra brincar". Tudo com uma instrumentação vasta (atabaque, bateria, caixa, conga, chocalhos, baixo, guitarra, pandeirola, piano, prato, sintetizador e violão) e harmonias de vozes tão bem concatenadas e congruentes que quase não se percebe essa complexidade em sua boniteza.

Em alguns momentos, como em "Te Amar Eterno" (João Menezes), as levadas de violão e o registro agudo da voz de Berle entram em sintonia com o modo de sonorizar e entoar o amor do cantor fortalezense Daniel Groove. A mesma sensação emana da balada "É só você chegar" (Bruno Berle), quando ele canta "É só você chegar e o coração se abrir / Querendo me mostrar / Por onde devo ir", acariciada por um piano suave e flautas amorosas.

O território do amor no álbum de Bruno Berle passa pela flexão do brilho jazzístico carioca em "Mensagem do Céu" (Bruno Di Lullo / Domenico Lancelotti), pela trama do parceiro multimídia niteroiense na faixa "Acorda e vem" (Bruno Berle / Dadá Joãozinho) e se junta à organicidade do violoncelista estadunidense Arthur Russel (1951 - 1992), autor de "Love Comes Back".

A dinâmica de "No Reino dos Afetos 2" conta com muitas colaborações e confluências, mas o trançado todo - produção musical, gravação, mixagem e masterização - foi feito lado a lado com o conterrâneo Batata Boy (Leonardo Acioli), em estúdios de Maceió, Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, o beatmaker alagoano é parceiro de Berle em três canções.

Em "New Hit", eles enfocam o hedonismo jovem nas possibilidades noturnas metropolitanas; seguem com "Dizer Adeus", na qual cantam juntos; e fecham esse tripé de composições com "Quando Penso" - que inclui a parceria do músico Ítallo França, de Arapiraca -, uma ambientação sonora de apáticos dias chuvosos. No meio de tudo, "Sonho", um instrumental fantasioso de autoria do próprio Berle. Amei.

 

Foto do Flávio Paiva

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?