Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
A situação da arte no atual período sócio-histórico-cultural e político brasileiro vem arrefecendo o seu poder de estranhamento e de provocações contrárias à ordem dominante. Artistas e suas artes estão sendo diretamente afetados pelo movimento simultâneo da rotação do agenciamento burocrático e da translação do capitalismo de plataformas.
A arte não pode depender do controle da economia, nem da política, no tanto que tem dependido no Brasil. Artistas vêm sendo coagidos pela compulsão desse sistema duplo a se tornarem marcas e empreendedores no mercado de commodities digitais e de encomendas por editais, enquanto o monopólio cultural é legitimado pelo consumismo algorítmico.
Sem alternativas ante esse aprisionamento da liberdade criativa, muitos se fragilizam emocionalmente, se recatam e se calam. A perda de referências estéticas e de valor artístico é generalizada. Torna-se difícil até ter noção da realidade submissa a que estão relegados, sobretudo quando há que cuidar também da sobrevivência material.
Um dos grandes e graves problemas relativos à arte no Brasil é a burocracia excessiva e intrusiva dos projetos culturais, seja no que diz respeito a cadastros de proponentes ou à prestação de contas. Embora com propósito inclusivo, o apanhado esmiunçado da intimidade da artista ou do artista é constrangedor. E não há a opção de não se entregar.
Como condição cadastral, os formulários pedem uma espécie de ressonância magnética de cor, sexualidade, saúde mental, sinais físicos de identificação e tantas outras informações muitas vezes intimidadoras. Além desse vasculhamento da privacidade, completam o enquadramento obrigatório a documentação de praxe, tais como cédula de identidade, cartão de contribuinte, dados de nascimento e comprovante de endereço.
Tudo isso pode aperfeiçoar as estatísticas e facilitar a aplicação de políticas públicas de promoção da igualdade social. Mas tem sido um complicador para quem não se sente à vontade de ceder suas informações, e uma ameaça à integridade cidadã. Há informações que não compete ao Estado ter em seu banco de dados, ainda mais tendo em conta a sua vulnerabilidade a vazamentos.
A estruturação desse conjunto de dados íntimos de artistas é um perigo em caso de um eventual estado de vigilância digital, um dos principais recursos para a eliminação de indesejados em conjunturas fascistas ou totalitárias. Estruturar informações de privacidade no Big Data estatal pode ser a assinatura da sentença dessas pessoas.
A arte também está presa no cipoal de viroses antiestéticas das telas, onde os repliques impensados dos likes e das curtidas definem a hegemonia dos seguidores em uma paradoxal pluralidade de iguais. Essa exponencial cultura de massas, multidirecional e fundada no princípio da efemeridade, tende a destituir a arte da sua força de signo.
Existe espaço para a arte no mundo digital, isso já está comprovado. O que abala quem é artista no espaço de conexão das redes é o fato de esse sistema seguir plenamente controlado pelos concentradores dos mundos econômico e político. Sendo a arte uma expressão de descolamento da percepção estabelecida, o custo de ser artista eleva-se cada vez mais.
Artistas devem iluminar o lado escuro da realidade, abrir trilhas e não seguir caminhos balizados, principalmente nas sociedades reguladas. A novidade boa do momento atual é que obras artísticas não estão sendo formalmente censuradas, e a ruim é que a sua libertação requer um nível de engajamento social ainda muito disperso.
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