
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Músicas com temáticas que valorizam as culturas originais estão cada vez mais presentes nas cidades brasileiras, compostas e cantadas por artistas indígenas. Esse cancioneiro urbano, movido a rap, pop, rock e música eletrônica, reconecta territórios, refunda narrativas e busca contato espiritual com a natureza.
Muitas dessas pessoas são vistas com circunspeção por não-indígenas que, acostumados com estereótipos disseminados há mais de cinco séculos pelos sistemas educacionais e de comunicação predominantes no País, nem sempre estão preparados para entender mudanças de fenótipo, de costumes e da música indígena.
O Brasil tem mais da metade da sua população de origem nativa (53,97%) vivendo em 4.833 dos seus 5.570 municípios (Censo 2022 do IBGE). Com tanta pressão do agronegócio, mineradoras, garimpeiros, madeireiros e caçadores nas áreas rurais, a tendência de migração para os espaços metropolitanos segue aumentando.
Comecei a dar-me conta de que as questões dos povos originários cabiam nos ritmos urbanos com o álbum "Amazônia Legal" (1997), do poeta e cantador roraimense Eliakin Rufino. Com humor irônico e som de bate-estaca, ele chamou minha atenção para contrassensos como o da naturalização das crianças indígenas de Boa Vista que faziam "papel de índio" nas festas juninas.
Naquele ano dediquei o álbum "Terra do Nunca" - que fiz em parceria com a cantora maranhense Anna Torres e com o músico paulista Paulo Lepetit - à memória do índio Galdino, queimado vivo nas ruas de Brasília por filhinhos de papais confiantes no privilégio da impunidade feudal resistente no Brasil.
Associo a marcação da batida do pé ao som do maracá - que nas danças circulares indígenas firma conexão com a terra e alinha a energia dos espíritos - com as sequências de batidas repetitivas que estão na base da música eletrônica e com a fluidez (flow) da palavra nas cadências do rap; sons urbanos presentes na luta indígena em cidades de todo o país.
A cantora maranhense Kaê Guajajara, criada na favela da Maré, Rio de Janeiro, combina sons tradicionais do povo Caru com rap e pop para cantar ancestralidade e direitos indígenas. O rapper Ian Wapichana, de Roraima, que vive em Brasília, também coloca suas rimas no campo crítico do etnocídio e da reparação histórica.
Lucas Kariri tem uma chave em sua canção indígena contemporânea, quando diz "Aguente, parente / não fique isolado / da sua cultura / na selva de pedra", e, para obter a cura, o artista cearense propõe um "banho de arruda virtual". Nessa pegada imaginária, a cantora TÓRI, neta de retirantes cariris, trabalha com a memória da oralidade na pesquisa Psicodelia Nordestina.
A pernambucana Siba Puri lança mão do dub, estilo musical eletrônico derivado do reggae, para arejar o território urbano de luta por legados ancestrais e ambientais e lugar para a vida LGBTQIA . Quem segue essa mesma pauta, através do rap e do rock, é Katu Mirim, paulista de origem Boe Bororó mato-grossense. No vídeo da música "Bling Bling", ela simula comer uma corrente de ouro, como se fosse macarrão, e a boca sangra.
A conexão com a herança indígena no mundo urbano está na essência dessas pessoas que vêm assumindo o lugar do som indígena na cidade e tecendo nodos de uma grande rede das diversas populações de povos originários por todo o Brasil. Diante de tantas pressões para restrições dos direitos dos povos indígenas, essas vozes são fundamentais na defesa da existência.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.