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Memórias bordadas no linho
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Memórias bordadas no linho

As palavras de Beatriz Castro foram tecendo memórias bordadas no linho que vestiu de beleza e elegância a marca Fátima Castro
Tipo Crônica

Consuelo, Alzira, Edith, Ditinha, Elita, Alpha, Esmeralda, Gilca, Lúcia, Maria, Elza, Elzira, Mary, Eneida, Eunice, Belina, Rita, Elza, Elba, Otília, Neusa, Elisa e Fátima são os nomes das mulheres citadas pela designer de moda Beatriz Castro (Bia) em sua emocionada e emocionante fala ao lançar o livro "Fátima Castro - O estilo de uma mulher à frente do seu tempo" (Editora As Águas Claras, 2025).

"Essas mulheres formaram quem eu sou hoje (...) Com elas aprendi o valor do trabalho, do cuidado e do afeto", afirma, referindo-se às bisavós, avós, tias-avós, tias, cuidadoras e à própria mãe. A calçada da Ethos, loja da marca e ateliê da autora, na rua dos Tabajaras, Praia de Iracema, parecia bordada por um público em pontos de aconchego.

Bia realçou a figura criativa e criadora da mãe por ser pioneira em "um estilo que privilegiava a simplicidade agregada às manualidades mais sofisticadas", mas também, e principalmente, a mulher que "não pedia licença para existir (...) que sabia o seu lugar no mundo e o ocupava lindamente", que se movimentava na vida "sem depender da aprovação e opinião dos outros".

As palavras de Beatriz Castro foram tecendo memórias bordadas no linho que vestiu de beleza e elegância a marca Fátima Castro, que se encontra costurada à arte em tecido da filha, na produção de coleções admiradas em todo o Brasil, perenizando uma trajetória agora arrematada em livro com tanta amorosidade.

A obra tem carinho espalhado por todas as páginas, com muitas fotos de modelos, da família e de momentos em que linhos, cambraias e sedas com detalhes de bordados artesanais sacudiram a cena da moda cearense a partir da década de 1980. A pesquisadora de arte Jacqueline Medeiros atesta que Fátima Castro (1938-2020) "inovou ao incorporar bordados refinados e cortes impecáveis ao linho".

O livro de Beatriz Castro põe em relevo a vida e as realizações de uma mulher que abriu caminhos de liberdade autoral e de luta por independência profissional feminina na década de 1970. "O seu amor pela moda e pelas manualidades esteve com ela até o último dia de sua vida", escreve a filha, que reverencia o que aprendeu a sentir sobre a mãe ao destacar que "era trabalhando que ela se tornava mais bonita, mais alegre e mais vibrante".

Foi através do fotógrafo e ativista da Economia Afetiva Jackson Araújo que conheci a Bia Castro, no final da década de 1980. Ela fez a minha roupa de casamento, em 1990, inspirada na calça de linho acetinado com que meu pai se casou em 1954. À época, o galpão da Fátima Castro era na rua Carneiro de Mendonça, nas proximidades da Lagoa da Parangaba.

Depois, em 1992, pedi a ela para vestir a cantora Olga Ribeiro para o megashow de lançamento do álbum América, que fizemos no Parque do Cocó. Foram duas roupas, ambas com bordados da sempre amada Nice Firmeza (1921-2013). Em 2017, ela vestiu a ILYA para o show de lançamento do meu livro "Bulbrax - Sociomorfologia Cultural de Fortaleza", no Teatro Brasil Tropical.

Assim como sua mãe, Beatriz Castro, sem renunciar à ternura, se coloca firme diante da vida e do viver. "Eu luto por um mundo onde nós mulheres possamos nos expressar com inteireza, clareza e verdade", afirmou ela durante o lançamento do livro. Uma prova disso é que, mesmo durante anos e anos de decadência da Praia de Iracema, ela permaneceu quixotescamente mantendo a Ethos no bairro. Com a lenta regeneração urbana da área, ela está lá, com suas peças encantadoras e lançando livro na calçada. 

Foto do Flávio Paiva

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