
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Dentre as grandes satisfações que tenho como autor de livros infantis, a de ver crianças empolgadas com Fortaleza depois de terem escutado a cidade contando a própria história no livro "Fortaleza - de dunas andantes a cidade banhada de sol" (Cortez, 2005), tem um lugar especial em meu coração.
É comum encontrar adultos que me dizem ter despertado a atenção por Fortaleza após ler esse livro quando criança. Mais comum ainda é ouvir o relato de mães sobre o interesse dos filhos em circular pela Cidade para conhecer os lugares mencionados na história.
Nas trocas diretas com crianças de diversos bairros, estudantes de escolas públicas e privadas que há duas décadas adotam o livro "Fortaleza", escuto observações que só aumentam a minha alegria de poder crescer com essa interlocução revolvida pelas associações pessoais que elas e eu fazemos sobre o lugar em que vivemos.
Na sexta-feira passada, 11, antevéspera dos 299 anos de Fortaleza, encontrei-me com crianças de duas turmas do colégio Santa Cecília (Eusébio), e, nas conversas que tivemos, citei como exemplos de fala da cidade uma fumaça ou um jardim de rua com bonitas flores. Na primeira situação, ressaltei que a cidade estaria pedindo ajuda: "Ei, estão me queimando!". E, no segundo caso, sentindo-se agradecida: "Vejam como sou bem cuidada!".
Percebo as sinapses saltitando em seus cérebros. Como poetas que são, as crianças jogam livremente com os sentidos das palavras, dando-lhes vez na condição da cidade que conta a própria história. Um menino metonimizou: "É porque a gente entende a língua da cidade com os olhos". Perfeita essa definição centrada na visão como síntese dos nossos receptores sensoriais.
Nesses diálogos de revelações e aprendizado mútuo, a história flui naturalmente pelos campos dos sentimentos e da compreensão, caminhando entre provocações da música-tema do livro, que indaga, na voz de Mallu Viturino: "Quem disse que cidade não fala, hein?", e transitando pelo passado imaginado presente nas ilustrações de Valber Benevides.
E haja fertilidade de imaginação e pensamento! Um dia uma criança referiu-se à atividade dos vendedores ambulantes como "lojas sem paredes". Ainda dentro da observação urbana, outra criança, tocada ao ver uma família morando na rua, perguntou: "A rua é casa?". Quando dizem que a cidade é um lugar onde "os prédios crescem e as árvores morrem", revelam uma sofisticada formulação ecológica.
Em outra circunstância, uma menina levantou o livro, apontou para a página em que a cidade conta que nasceu em um berço de dunas andantes e exclamou: "Essas dunas só podem estar debaixo dos edifícios!". Deduções assim evidenciam o grau de entendimento que elas têm do território onde vivem, ao poderem comparar a atualidade com suas formas anteriores.
O espaço público, como morada de algumas pessoas e como mundo desconhecido por outras, surge vez em quando nos nossos diálogos a partir do livro "Fortaleza". Em sua delicada alteridade infantil, certa feita uma criança me perguntou se "a filha do palhaço já nasce palhaça". Naquele dia, ela vira um pai e uma filha fazendo malabarismos cômicos em um sinal fechado.
Dizer que a cidade fala, que tem histórias para contar e que nem sempre foi como é hoje abre uma relação direta para o olhar reflexivo das crianças que abraçam a cidade. Neste aspecto, noto o "Fortaleza - de dunas andantes a cidade banhada de sol", em seus 20 anos, como um guia de viagem, que parte da infância até a vida adulta, em busca de uma ideia de cidade.
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