
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Fotografias em si não contam histórias, mas histórias podem ser contadas por quem aprecia imagens fotográficas juntando o ali e o aqui, o dantes e o devir, em um presente perpétuo que se chama atualidade. Parto do princípio de que o atual é tudo o que, a despeito da data de ocorrência, toca os nossos sentimentos no tempo em que vivemos.
Muitas fotos têm força substancial relacionada às circunstâncias em que foram feitas, como as imagens constantes no fotolivro "Reter Tudo ou Quanta maravilha do dia a dia que passou" (Lux), editado por Isabel Santana Terron e Tiago Santana, com fotografias do acervo do pai Eudoro e da mãe Ermengarda, lançado no Museu da Fotografia Fortaleza no dia 16 de abril.
LEIA TAMBÉM | Fotolivro é lançado em Fortaleza
A obra traz aspectos da vida de uma família de militantes políticos, com recorte nas décadas de 1960 e 1970, quando o casal Eudoro Santana e Ermengarda Sobreira desafiava as tensões da ditadura civil-militar, lutando por democracia e justiça social, ao tempo em que cuidava da infância das filhas e dos filhos Andréa, Tiago, Camilo e Isabel.
As circunstâncias tenebrosas decorrentes do regime de exceção não inibiram o desejo dos dois de "guardar o tempo" naquelas fotos que simbolizavam a capacidade de seguir em frente, como se formassem o pontilhado do caminho de esperanças em um jogo de liga-pontos existencial. No livro, isso se evidencia no foco dado aos vínculos amorosos da família.
Apenas para contextualizar, mas sem valorizar as desmedidas da repressão, o livro apresenta cópia de um telegrama do casal destinado aos pais de Ermengarda, quando Eudoro foi exonerado da Petrobrás e preso na Bahia, e um ofício do SNI enquadrando Eudoro como um infiltrado comunista na Cecasa, empresa de saneamento em que ele era diretor industrial no Cariri cearense, um ano antes da sua segunda prisão política.
Nas páginas de "Reter Tudo" nota-se o equilíbrio entre a razão do engenheiro e a intuição da assistente social. Ele, filho do semiárido, menino do sertão de Quixeramobim, e ela, nascida no litoral de Fortaleza, com infância vivida entre as árvores frondosas da Gentilândia. Ele fotografava e ela montava os álbuns e fazia legendas com idealizações precisas. Ermengarda é a cabeça mais política de toda a família.
Entre as imagens que expressam luminosidades ontogênicas de uma trama afetiva familiar, tecida com valores sociais e políticos, ela escreveu ao lado da fotografia do filho Tiago, que se tornou referência da arte fotográfica nordestina: "Meu filho / quando nasceres / Verás um céu / que não é céu / Verás um sol / que não é sol". Junto da imagem de bebê do atual ministro da Educação, Camilo Santana, anotou: "A sementinha / que / poderá / transformar / o / mundo".
Recordei da primeira campanha de Camilo para governador do Ceará (2014), quando a Ermengarda me pediu para ir ao comitê gravar em vídeo um depoimento de apoio ao então candidato, e realcei como aval dos seus compromissos públicos o fato de ele ter integridade na vida familiar. Estética e política andam juntas nesse campo magnético de filhos e filhas, que se completa com Andréa, urbanista e cineasta, e Isabel, designer e produtora gráfica.
Em uma entrevista concedida por Paulo Freire (1921-1997) a Sérgio Guimarães, publicada no livro "Sobre educação: dever de casa" (Paz & Terra), o educador pernambucano diz que "os verdadeiros juízes dos pais são os filhos" (página 59). Isso está cristalino no fotolivro da família Sobreira-Santana, onde a história do casal é valorizada pelas crias, com as asas que receberam para voar.
A soma da Literatura, das histórias cotidianas e a paixão pela escrita. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.