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Caminhos de África
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Caminhos de África

Tipo Notícia

Caminho é a primeira palavra que me chega quando penso em África. Pode parecer estranho, tratando-se de um continente banhado por repetidas histórias atreladas a navegações, mas é a grandeza do território, com suas riquezas e maravilhas naturais e culturais, o que mais me atrai.

Caminho com rastros do nomadismo de povos e grupos étnicos, privilegiados por serem de um lugar que dispõe de florestas, savanas, lagos, desertos e mangues, abundante em ouro, diamante, variadas fontes de energia e uma fauna com espécies emblemáticas do planeta.

Caminho que passa por uma pujante, rica e entrelaçada herança cultural de artes, transmissão oral, espiritualidades e experiências relacionais com a natureza, ultrajadas por tantas cobiças estrangeiras.

Caminho do encontro entre Olodumaré e Naana Buluku, divindades supremas do oeste africano, proporcionado pela conquista dos arara de Daomé (hoje Benim) pelos iorubá da Nigéria, estes, mediados pela força guerreira muçulmana de Oduduwa, e que se amplia no sincretismo com santos católicos antes da travessia do oceano Atlântico.

Caminho do povo núbio (atual Sudão), que engrandeceu a história do Egito (o antigo Kemet de terras negras e férteis das margens do rio Nilo) em quase um século de faraós pretos.

Caminho de fabulações dos rumos a serem seguidos entre a transcendência e a materialidade, com antepassados presentes na influência do viver e da impermanência material do ir e vir, resultante das estações do ano e do tempo ajustado por acontecimentos.

Caminho formador da língua suaíle, mescla dos idiomas árabe, hindu, persa e bantu, como facilitadora das trocas nos portos afro-orientais nas rotas comerciais do oceano Índico.

Caminho do olhar dos soldados africanos, combatentes nos exércitos franceses e britânicos na Segunda Guerra, que viram branco matando branco e branco passando fome e, ao retornarem, se engajaram na luta pela independência de seus países.

Caminho de enfrentamento da instabilidade política e econômica forçada na descolonização por países europeus que, mesmo enfraquecidos no pós-guerra, deram um jeito de manter a fabricação de ditadores e o patrocínio de massacres por meio dos quais seguiram tirando vantagens no continente.

Caminho para a tradição coletivista africana, rompida pela pilhagem, exploração, confisco de terras, destruição religiosa, fomento ao individualismo e práticas racistas eurocêntricas, mas retomada nos princípios do movimento panafricano, voltado para a potência da união de negros de todo o mundo, entre disputas estadunidenses e soviéticas.

Caminho da poesia geradora da negritude como valorização da cultura e da gente das diversas regiões africanas e seus contextos diaspóricos, não como saudosismo, mas como recusa à discriminação e em favor da tomada de consciência por igualdade de direitos.

Caminho capaz de oxigenar vínculos nas relações humanas, independentemente da cor da pele, como alternativas decoloniais aos efeitos da escravidão e à precariedade da vida em plena contenda geoeconômica e política sino-estadunidense.

Caminho de aprofundamento do que se conhece sobre África e afrodescendência, suas singularidades, metaetnicidade e multirreligiosidade, de modo a realçar essências imprescindíveis para seguir em frente com dignidade.

Caminho do livro "Ceará Negro", por onde segue a maneira que encontrei de resumir e alargar o conjunto de insumos literários e musicais que ofereço como crença de que o antirracismo e a desigualdade racial necessitam de mais oportunidades de acessos a temas africanos.

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