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Uma conversa criminosa e uma reação perigosa do bolsonarismo
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Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).

Uma conversa criminosa e uma reação perigosa do bolsonarismo

Ao longo daquele diálogo no Palácio do Planalto discutiu-se abertamente a possibilidade de envolvimento de instâncias como Receita Federal e Serpro numa estratégia de constrangimento, a partir do uso de instrumentos de Estado, dos responsáveis pela investigação contra o filho de Bolsonaro

É comovente, no uso irônico que o termo permite para si, o esforço do bolsonarismo de minimizar o conteúdo grave dos áudios revelados ao público com o fim do sigilo do material determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Até concordo com o questionamento que tem sido feito à conveniência da decisão ser tomada já agora, quando o melhor, em tese, seria esperar que toda a investigação sobre a existência de uma estrutura paralela de investigação no governo anterior estivesse concluída.

Agora, não há irregularidade na decisão de Moraes. Dito isso, o erro começa pela reunião em si, que nunca poderia ter acontecido, considerando que toda a discussão ali se dá em cima da situação do senador Flávio Bolsonaro, em relação à alegada prática de rachadinha no tempo em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.

Um problema totalmente dele, não fazendo qualquer sentido que virasse assunto de interesse do governo, como pareceu ter-se transformado naqueles diálogos. O pai precisaria encontrar momentos e meios mais adequados para ajudar o filho, aliás, era quase que uma obrigação, desde que considerados limites que sua opção foi por não obedecer.

Qual sentido do então presidente da República levar para seu ambiente de trabalho e durante horário de expediente, no Palácio do Planalto, as defensoras de Flávio Bolsonaro e colocar na mesa com elas, das pessoas identificadas, quem dirigia à época a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o militar que comandava o Gabinete de Segurança Institucional (GSI)?

Sem falar que ao longo da conversa discutiu-se abertamente a possibilidade de envolvimento de instâncias como Receita Federal e Serpro numa estratégia de constrangimento, a partir do uso de instrumentos de Estado, dos responsáveis pela investigação contra o filho de Bolsonaro, no Rio de Janeiro.

As redes sociais dos apoiadores dos Bolsonaro fazem comovente esforço nas últimas horas para, numa atitude de distorção clara, interpretar tudo de grave que há sido revelado como mais uma prova de "inocência do mito". Soa engraçado que o grande momento selecionado para indicar que o presidente da época agiu com ética e no limite de suas responsabilidades seja o ponto em que ele adverte sobre o risco de uma conversa daquela ser gravada e ainda emenda, certamente para eventualidade de sua profecia virar realidade, que não estavam fazendo "nada de errado".

O episódio é completo na sua gravidade, porque em todas as suas etapas junta crime, ignorância, desfaçatez, descompromisso, paixão cega, enfim, um conjunto de situações perigosas que expõem o tamanho do problema ao qual estamos submetidos quando um grupo assume o poder disposto a aparelhar o Estado em nome de seus interesses pessoais.

O pior, pelo que demonstra uma parte boa da reação, é que quem adota a prática ainda conta com apoio popular suficiente para imaginar possível uma volta ao mesmo lugar para, muito possivelmente, retomar o projeto de caráter destrutivo das instituições que encarna.

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