Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados
Fomos bater à porta do músico e letrista Abidoral Jamacaru, referência da cultura na região. Embora houvéssemos marcado a visita para o meio-dia de um sábado, somente conseguimos chegar à sua casa já depois de uma da tarde
Sempre que viajo, ainda que em missão profissional ou institucional, busco encontrar algum espaço na agenda para conhecer um pouco mais da gente e da terra que visito. Há quem diga que tenho espírito viajante. Não sei bem o porquê, mas, parafraseando Chicó, o simpático personagem de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, sempre foi assim. De uma das últimas vezes que fui ao Cariri matei um desejo antigo.
Conduzido pelas mãos generosas dos amigos Carlito Onofre, ex-presidente da subseção do Crato da Ordem dos Advogados do Brasil, e do colega Caio Esmeraldo, advogado de intensa militância, fomos bater à porta do músico e letrista Abidoral Jamacaru, referência da cultura na região. Era um sábado de nuvens carregadas. Embora houvéssemos marcado a visita para o meio-dia, somente conseguimos chegar a sua casa já depois de uma da tarde.
O atraso em nada incomodou o poeta. Foram horas de conversa. Entre as várias boas histórias uma houve que muito me impressionou, acontecida nos anos 1970, em plena ditadura militar. Contou-nos ele que, jovem, já dedicado de corpo e alma à música, acompanhou jornalistas que acorreram a seu Crato natal. Faziam reportagens sobre o massacre do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, movimento messiânico liderado pelo beato José Lourenço.
A empreitada coletivista que chegou a congregar nada menos que cinco mil pessoas, acabou dizimada em 1937, por forças federais, sob a acusação de tentativa de implantação de uma experiência comunista por aquelas terras. O arraial foi devastado por bombas despejadas por três aviões. Uma versão cearense muito semelhante, conquanto pouco conhecida, da Canudos de Antônio Conselheiro.
Exímio fazedor de amigos, acompanha os jornalistas até a "Exposição", embrião da hoje portentosa Expocrato. Lá chegando, à luz de velas, começam uma animada cantoria, à moda dos trovadores das feiras medievais que vemos em livros e filmes.
O ineditismo da cena, naquele Crato de então, atraiu a atenção dos agentes da repressão, sempre prontos a coibir qualquer ato de subversão e pouco afeitos, como de regra, à arte e às coisas do espírito. Todos foram em cana por atentarem contra a ordem pública, formulação genérica bem ao gosto dos regimes autoritários, apta a servir a toda a sorte de abuso.
Certo é que a prisão durou apenas horas, afinal nada havia que a justificasse, mas foi o bastante para pespegar sobre o pacato Jamacaru a pecha de perigoso subversivo. Propalou-se na cidade que o poeta seria um sujeito de maus-bofes, usuário de drogas, um risco para a juventude. Não conseguia trabalho, os pais não mais queriam que os filhos tivessem aulas de violão com ele. O episódio teve imenso impacto sobre sua trajetória pessoal e profissional. O ambiente no "Óasis do Sertão", como conhecida a cidade, tornou-se irrespirável, obrigando o poeta a ir cantar em outra freguesia. Foi ao Rio de Janeiro tentar ganhar a vida com a sua poesia. Muita coisa aconteceu que merece ser contada, nos cerca de três anos que passou por lá. Pena que o espaço acabou.
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