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Abidoral vai ao Rio de Janeiro
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Abidoral vai ao Rio de Janeiro

Pelas mãos generosas de Francis Vale, chegou a fazer shows no antigo teatro da Emcetur, importante espaço de exibições artísticas naqueles anos. Casa sempre cheia, o artista era entusiasticamente aplaudido
Tipo Opinião

Este artigo é sequência do último que publiquei nesta folha, quando falei do encontro com o letrista e intérprete musical Abidoral Jamacaru, em sua casa, no Crato, e bem podia chamar-se "Encontros e Desencontros de Abidoral' ou ainda 'Viagem ao Cariri II'.

Já contei aqui que o poeta, perseguido pelos esbirros da ditadura militar, foi preso e contra ele empreenderam dura campanha difamatória, pintando-o como perigoso subversivo - tudo isso por ter cometido o crime de cantar. Teve, então, de deixar seu torrão natal para lutar pela sobrevivência em plagas menos hostis.

Veio ele por primeiro a Fortaleza. Aproxima-se do produtor e agitador cultural Francis Vale, de saudosa memória e com quem construiu sólida amizade, o qual de pronto lhe reconhece o talento, inserindo-o na cena cultural da cidade. Pelas mãos generosas de Francis chegou a fazer shows no antigo teatro da Emcetur, importante espaço de exibições artísticas naqueles anos. Casa sempre cheia, Abidoral era entusiasticamente aplaudido.

Os aplausos multiplicavam-se ao final de cada apresentação, quando gritava sonoros vivas a Victor Jara, embora não soubesse bem de quem se tratasse. Fazia-o a pedido de Francis, confidenciou. Afinal, era fazer muito pouco por quem lhe fazia tanto. Algum tempo depois, como a curiosidade lhe batia à porta, soube ser o personagem que reverenciava ninguém menos que o mártir do movimento Nueva Canción Chilena, que revolucionou a música latinoamericana e incendiou o universo cultural daquele país em fins dos anos 1960.

Soube também que logo após o golpe militar que derrubou o governo constitucional do médico Salvador Allende, Jara foi levado ao Estádio Nacional, na capital Santiago, onde os militares amontoaram milhares de presos políticos. Foi morto ali mesmo, a pancada e a tiro. Seu corpo foi abandonado em um matagal. Aliviado, Abidoral acredita que por essas e outras estripulias quase voltava a entrar na mira da repressão, sempre tão atenta, mas que àquelas alturas aparentava ter-lhe dado alguma trégua. Eram tempos estranhos.

Conheceu, ainda aqui em Fortaleza, o já famoso compositor Gonzaguinha, em almoço promovido por Francis no extinto restaurante "Alfredo, O Rei da Peixada". Entre uma garfada e outra o autor de "Explode Coração" lhe dá um cartão de visitas e pede que o procure, tão logo fosse ao Rio de Janeiro, o que, é bem verdade, já estava em seus planos.

Estavam lançadas ali as bases do que poderia ser a parceria de uma vida. Vida que poderia ter sido e que não foi, como disse em algum poema o pernambucano Manuel Bandeira, pois Abidoral, embora tenha logo após esse encontro ido ao Rio de Janeiro e por lá ficado por cerca de três anos, tocando e cantando na noite carioca, jamais procurou o filho de seu Luiz Gonzaga, que tantas portas poderia lhe ter aberto na cena musical brasileira. Faltou-lhe coragem, disse-me ele, acreditem. Gonzaguinha morre em 29 de abril de 1991, vítima de acidente automobilístico, na estradas do Paraná. Nunca voltou a ver, falar ou ter notícias de nosso Abidoral.

 

Foto do Hélio Leitão

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