Logo O POVO+
Jantar com Frei Betto
Foto de Hélio Leitão
clique para exibir bio do colunista

Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Jantar com Frei Betto

Com mais de 78 obras publicadas, é ele sem dúvida um dos maiores intelectuais da contemporaneidade, com uma linda história de resistência à ditadura e a todas as formas de injustiça social e aviltamento da condição humana
Tipo Opinião

Pelas mãos dos amigos Rafael Santos e Aline Miranda, dois dos líderes movimento "Igreja sem saída" no Ceará, articulação cujo propósito é dar concretude à orientação formulada pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, no sentido de que a igreja deve sair em busca das periferias e dos que mais necessitam, fui levado a jantar com Frei Betto. Um privilégio.

Teólogo dominicano com vastíssima produção intelectual - mais de 78 obras publicadas, é ele sem dúvida um dos maiores intelectuais da contemporaneidade, com uma linda história de resistência à ditadura e a todas as formas de injustiça social e aviltamento da condição humana.

Curioso incorrigível, procurei extrair do nosso convidado o máximo de suas vivências e saberes. Entre as muitas histórias, fiquei sabendo da saga do padre Alfredinho. Travei por primeira vez contato com a história de Frédy Kunz, sacerdote católico, cidadão suíço, membro da Congregação dos Filhos da Caridade.

Frédy, ou Alfredinho, como viria ser conhecido no Brasil bem depois, ainda adolescente trabalhava em hotéis como auxiliar de cozinha, na França. Aos 16 anos de idade ingressa na Juventude Operária Católica. Com a eclosão da Segunda Grande Guerra, é incorporado às forças francesas, sendo preso e confinado em campo de concentração na Alemanha nazista, juntamente com prisioneiros soviéticos. Colheu ali a oportunidade para aprender o idioma russo e evangelizar os soldados de Stálin. À certa altura resolve fugir. E foge. Como não fosse incomodado pelos militares alemães que encontrou pelo caminho, descobriu, entre feliz e incrédulo, que a guerra terminara.

Abraça o sacerdócio e faz da causa dos mais pobres o seu ministério. Veio dar com os costados em Crateús. Era o ano de 1968, tempos de Dom Fragoso, o bispo perseguido pela ditadura militar e um dos mais ardorosos arautos da Teologia da Libertação. Certo dia padre Alfredinho, que ostentou por toda a vida vestes similares ao uniforme de quando ainda era prisioneiro - uma promessa que fizera, foi chamado a confessar Antonieta, uma jovem vítima da prostituição, que morreria logo depois, tuberculosa. Chegado o momento de dar a absolvição à confessada, após conhecer-lhe os pecados, o padre inverte o fluxo: pede-lhe perdão em nome de uma sociedade injusta, que se mantinha indiferente à condição de indigência a que são submetidas pessoas como aquela sofredora.

Com a morte de Antonieta, Alfredinho resolve arranchar-se no barraco antes ocupado por ela. Passou então a morar na região mais degradada da cidade, em meio a prostitutas, bêbados e malandros. Costumava dizer que "a zona de prostituição de Crateús é um verdadeiro santuário...foram as vítimas da prostituição que me ensinaram a viver o evangelho."

Alfredinho morre aos 80 anos, em Santo André, São Paulo, onde, sempre honrando sua opção radical pelos pobres, trabalhava junto a pessoas em situação de rua. Seus restos mortais foram trasladados para Crateús em fevereiro de 2023, e repousam na Igreja de São Francisco, nas imediações em que morava Antonieta. Não por acaso.

 

Foto do Hélio Leitão

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?