Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados
Há de se falar sobretudo de pioneirismo, a meu juízo a principal marca de sua trajetória pessoal e profissional. Auri Moura Costa, cearense de Redenção, foi a primeira juíza brasileira, título que ninguém lhe tira
As minhas primeiras intervenções nas páginas de opinião deste jornal foram de crítica, mais das vezes acerba, aos desmandos e arreganhos autoritários do governo de Jair Messias Bolsonaro. O momento exigia e era o advogado militante quem escrevia com contundência, cônscio da dimensão social e política de sua profissão. Com o correr do tempo e da pena, premido pela necessidade, tão prazerosa quanto aflitiva, de publicar texto a cada 15 dias, descobri, não sem surpresa, que podia e sabia contar histórias. Minhas e dos outros. Vou contar mais uma.
Em conversa com o amigo Auri Pinheiro, professor universitário, surgiu a ideia de contar aqui a história de uma outra pessoa também chamada Auri. A desembargadora Auri Moura Costa, nome que, para muitos da nova geração de profissionais do direito no estado, logo remete ao presídio feminino que ganhou o seu nome, merecido reconhecimento de seu trabalho como juíza das execuções penais. Profunda conhecedora da ciência penitenciária e da dinâmica prisional de sua época, escreveu muito a respeito.
Mas há de se falar sobretudo de seu pioneirismo, a meu juízo a principal marca de sua trajetória pessoal e profissional. Auri Moura Costa, cearense de Redenção, foi a primeira juíza brasileira, título que ninguém lhe tira. Ingressou na magistratura no ano de 1939, após breve passagem pelo Ministério Público. Foi a primeira mulher a alçar o desembargo na justiça cearense, tendo presidido também - outra vez a primeira mulher a fazê-lo, o Tribunal Regional Eleitoral. Vice-presidente de nossa corte de justiça, foi diretora do Fórum Clóvis Beviláqua.
Fico imaginando, cá com os botões do meu paletó, os inúmeros obstáculos que a cultura machista e patriarcal que então imperava soberana por estas bandas fincou nos caminhos trilhados por essa mulher, a primeira juíza nestes mais de quatrocentos anos de magistratura no Brasil - registros históricos dão conta de que as primeiras comarcas foram criadas ainda no período colonial, ali pelos idos de 1548. Há canção, cuja letra é de autoria do poeta e compositor José Clementino do Nascimento, síntese espirituosa das histórias que escorriam fartas da boca do povo, chamada "Contrastes de Várzea Alegre", uma das comarcas em que judicou a doutora Auri, que dá boas pistas quanto ao enfrentamento que ela bem precisou fazer. Está lá, em um dos versos da música que acabou gravada por Luiz Gonzaga: " Meu amigo eu sou da terra / Que o padre era casado / Enviuvou duas vezes / E depois foi ordenado / Ainda hoje reza missa / Os filhos já estão criados / O juiz era uma mulher / Meu amigo, eu sou da terra / Onde o cruzeiro é isolado".
Dizem que a desembargadora Auri não chegou à presidência do seu tribunal por ter prevalecido à época o entendimento de que uma mulher não estaria apta ao exercício de funções tão elevadas. Hoje a doutora Auri é fonte de viva inspiração para as mulheres que devotam a vida à causa da justiça. Não sem razão. Doutora Auri contrastou os valores de sua época. E entrou para história. n
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