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Colocando a vírgula
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Colocando a vírgula

A grande angústia de quem, sem ser profissional da pena, como é o meu caso, se mete a escrever com periodicidade, é encontrar assunto que possa despertar a curiosidade dos leitores. A tarefa decididamente não é nada fácil
Tipo Opinião

Já disse aqui, em mais de uma oportunidade, que a grande angústia de quem, sem ser profissional da pena, como é o meu caso, se mete a escrever com periodicidade, é encontrar assunto que possa despertar a curiosidade dos leitores. A tarefa decididamente não é nada fácil. Este modestíssimo escriba já perdeu o sono com isso, mais de uma vez, creiam.

Tomado dessa aflição, acabei por desenvolver o hábito, hoje à beira de se tornar compulsão, de sempre prestar atenção às coisas do cotidiano, mesmo as menores, a dar ouvidos ainda mais atentos às boas histórias que me são contadas. Histórias da advocacia, do ambiente judiciário, da política. Do meu pequeno mundo, enfim.

Desta vez quem me salvou a pele foi o ex-deputado estadual Antônio Jacó, amigo de longa data e homem com longa e imaculada trajetória na vida política do Ceará. Político da velha escola, aquela em que a palavra é honrada e os acordos políticos são selados no "fio do bigode".

A história, disse-me ele, ouviu de um outro deputado, Aquiles Peres Mota, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Estado, homem de sua geração. Dizem que quem conta um conto acrescenta um ponto. Aqui vou eu.

Os fatos se deram em Maranguape e remontam há bem mais de cinquenta anos. Na política local se digladiavam à época duas lideranças, os coronéis Botelho e Colares, adversários figadais, históricos. Coronel Botelho era dado às letras, mantinha um jornal mensal, impresso em mimeógrafo a álcool, cuja finalidade principal, senão única, era desancar os adversários e enaltecer os correligionários, tudo muito ao gosto da política provinciana. Com aguda deficiência visual, ditava virulentas diatribes contra o grupo político chefiado pelo coronel Colares a uma secretária, exímia datilógrafa. Era assim, a cada edição do jornaleco.

Às vésperas do início de mais uma campanha pelo poder local, no exato instante em que o coronel Botelho deitava sua verrina contra o adversário, taxando-o, para transcrição de sua fiel secretária, de indigno, vil, desprezível, isto para ficarmos apenas nos adjetivos mais elegantes, eis que recebe a visita de um emissário de Colares, propondo, em nome do patrão, acordo para que ambos apoiassem naquelas eleições um só candidato, o mesmo da preferência de Botelho. Uma inusitada aliança política que, consumada, viria a abalar os alicerces da política da cidade, tão habituada aos embates entre os dois titãs.

Acordo firmado, volta coronel Botelho ao seu texto. Para não ter de refazê-lo, encaixa uma vírgula logo após o último dos adjetivos que em nada lustravam a imagem do até então opositor, e emenda, derramando-se em elogios que disse ser sinceros : "... assim dizem os que não o conhecem, pois trata-se de homem íntegro, honesto, probo, comprometido com os interesses do povo desta terra, um grande líder..."

Verdade ou anedota, certo é que a política sempre teve destas coisas. Nestes tempos de eleições tão disputadas em que vivemos não tem sido muito diferente. Acho até que andam exagerando um bocado na dose. n

 

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