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Relicário criminal 16
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Relicário criminal 16

Inspirou-se Oliveira Paiva na história trágica e verdadeira do crime imputado a Maria Francisca de Paula Lessa. Marica Lessa, como era mais conhecida, herdeira de rica e poderosa família dos sertões de Quixeramobim, foi apontada como mandante da morte de seu marido
Tipo Opinião

Nem sei se seria de bom tom findar o ano e começar um outro, sempre um período de muitas festas e renovação das esperanças, com artigo sobre um crime de sangue. De toda sorte, aí vai mais um "Relicário". A ideia me veio quando lia "Dona Guidinha do Poço", romance regionalista, de corte realista, mas ainda com forte influência dos românticos, de autoria do seminarista, militar e abolicionista cearense Manuel de Oliveira Paiva, escrito ali pelos começos dos anos 1890. O livro, descoberto e publicado post mortem, é já há um tempo largamente adotado nas escolas de ensino médio, bem sei, mas somente agora caiu-me às mãos.

Inspirou-se o jovem autor, falecido aos 31 anos de idade, na história trágica e verdadeira do crime imputado a Maria Francisca de Paula Lessa. Coisa grave. Marica Lessa, como era mais conhecida, herdeira de rica e poderosa família dos sertões de Quixeramobim, palco do trágico acontecimento, foi apontada como mandante da morte de seu esposo, o coronel Domingos Victor de Abreu Vasconcelos. Casamento de conveniência, em que sobravam os interesses e faltava o amor.

Apaixonou-se por rapaz bem mais jovem, um tal Antônio da Silva Pereira, sobrinho de seu marido. O homem veio ter por estas bandas em fuga batida da justiça pernambucana - seria responsável pela morte do padrasto. Tomada de amores pelo mancebo, para usarmos expressão da época, com quem já andaria de namoro, segundo se comentava à boca pequena, Marica resolve pôr fim às amarras do casamento, dando cabo do marido. Confiava que o seu prestígio, riqueza e poder lhe assegurariam a impunidade. Tinha boas razões para acreditar nisso. O certo é que, por ordem dela ou não - Marica sempre negou de pés juntos e mãos postas qualquer participação no crime, o infeliz coronel Domingos foi brutalmente assassinado por um seu escravo. Em casa, apunhalado pelas costas, enquanto se barbeava. Era o ano da graça de 1853.

O episódio causou imensa comoção social, dada a violência e o status dos envolvidos. O crime repercutiu nos quatro cantos da província do Ceará, cujo presidente, Joaquim Vilela de Castro Tavares, de pronto recomendou investigação rigorosa e a punição exemplar dos homicidas. Como sempre acontece. Até hoje. E não foi difícil chegar-se à autoria material. A vítima, em seus últimos suspiros, reconheceu o escravo Corumbé como o seu agressor. Dali para chegar a Marica e ao sobrinho foi um pulo. Todos foram presos e transferidos para Fortaleza. Vieram montados a cavalo.

Corumbé deu no pé, com perdão da rima pobre. Fugiu da cadeia e sumiu na poeira. O sobrinho Antônio foi mandado para uma prisão no Pará, sem que eu tenha conseguido apurar o porquê disso. Já Marica Lessa foi dar com os costados na Cadeia Pública, onde hoje funciona o Centro de Turismo do Ceará, antiga Emcetur. Condenada, amargou trinta anos de confinamento. Jamais retornou ao seu Quixeramobim. Mesmo liberta, pena já cumprida, continuou a morar na Cadeia Pública, vivendo da mendicância, da caridade alheia. Perdera tudo. Segundo consta dos assentos prisionais da época, era ela a presa número 114

 

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